quarta-feira, 29 de maio de 2013

O Eu Real

Em Our Inner Conflicts (1945), Karen Horney descreve o que para ela, àquela altura, na sociedade americana, seriam os três tipos principais de personalidade neurótica. Esses tipos seriam caracterizados por autoimagens por meio das quais a pessoa tenta dissolver o conflito que a atormenta desde a infância. Este conflito seria entre as motivações compulsivas para ser duro e ser sedutor, isto é para depender de si mesmo ou depender de um protetor. Assim, surgiriam dois tipos básicos da personalidade neurótica: o agressivo e o submisso, que eliminam respectivamente a pressão interna para ser bonzinho e para ser feroz. O terceiro tipo seria o isolado, cuja solução é se afastar do convívio social. Essa classificação tornou-se clássica, a ponto de, décadas depois, ser usada para orientar estratégias de marketing aceitas até hoje.
Em Neurosis and Human Growth (1950), entretanto, ela aprofunda sua análise. A maior importância é transferida do conflito entre as soluções compulsivas para a ansiedade básica da criança que, encurralada pelo mundo hostil, substitui o seu eu real por um eu idealizado. Destaca, então, como básico um outro conflito, entre o eu idealizado e o eu real. Ao esforço por sustentar o orgulho no eu idealizado está automaticamente associada a depreciação do eu real.
Para entender os três tipos nessa visão mais ampla, me parece interessante destacar um quarto tipo, o seguidor, que lida com as duas compulsões de se sentir forte e protegido, de forma oposta à do tipo isolado. Este quarto tipo, em vez de refugiar-se em sua torre de marfim, refugia-se na multidão. Para evitar decidir, está sempre ocupado em imitar. Ausente em Our Inner Conflicts, este quarto tipo surge em uns poucos parágrafos de Neurosis and Human Growth, mas, abrange, hoje, o grande número de pessoas que entregam à moda a direção de suas vidas.
Além disso, usando  o fenômeno da externalização para distinguir outros tipos que ela trata como variantes dos tipos básicos, eu enxergo os oito tipos da tabela abaixo. O que distingue os quatro novos grupos é que, não sendo capazes de suportar internamente o conflito, transferem para o exterior a origem da crítica ao eu real. Com isso, deixam de contar para a sua segurança com a ilusão de satisfazer os padrões socialmente aprovados e, em vez de voltar-se compulsivamente para essa aprovação, tratam a carência de bom relacionamento social como mais um motivo de autodesprezo.

Tipo\conta com
consigo mesmo
alguém próximo
a sociedade
Seguidor
Sim
Sim
Sim
Narcisista
Sim
Sim
Não
Agressivo
Sim
Não
Sim
Vingativo
Sim
Não
Não
Submisso
Não
Sim
Sim
Acusador
Não
Sim
Não
Isolado
Não
Não
Sim
Rebelde
Não
Não
Não

O mais útil na análise de Karen Horney é que, ao situar a origem da neurose em situações de ansiedade infantil, em vez de no desvio de impulsos instintivos, ela permite enfrentá-la pela gradual desconstrução do conflito interno, em um processo de libertação do eu real do jugo das fantasias do eu idealizado.  O subtítulo do último livro é: A Luta em Direção à Auto-realização.
No final de Neurosis and Human Growth, ela desenvolve uma metáfora em que a criação do eu idealizado é comparada à tentação diabólica de Adão e Eva, ou à de Cristo, e aos pactos com o diabo em que, em clássicos da literatura, a pessoa troca sua alma pela ilusão de um poder absoluto. A reconstrução do eu real é aí vista como o resgate de si mesmo.
Lendo Karen Horney, para mim fica claro que o egocentrismo, termo que ela usa apenas ao discutir a dificuldade de estabelecer relações reais, é o inimigo a ser encarado. Só que  combater o egocentrismo, ou, mais objetivamente, esvaziar o orgulho e fazer a realidade prevalecer é o que Cristo nos oferece. Para o cristão, a realidade mais importante é que no centro do seu Universo está um Deus que é Pai. 
Se eu deixo de ser o centro e me volto para servir ao Pai de Jesus Cristo, encontro o meu eu real. Os sofrimentos do passado e a tentação para iludir-me com o eu idealizado permanecerão ativos, mas poderei enfrentar as minhas limitações como Cristo enfrentou a sua cruz, se me alimentar da realidade como folha da videira da verdade, como mão de obra do amor.

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