terça-feira, 30 de abril de 2013

Leis a favor do Crime (2)

Nossa cultura adora a criação de regras para serem fraudadas. O resultado é prejuízo e atraso para todos. Vejamos o caso do futebol. Amamos o esporte e temos formidáveis artistas da bola em nossos estádios. Entretanto, temos as arquibancadas dominadas por trogloditas e os clubes envolvidos por dívidas astronômicas. A atração pelos espetáculos esportivos perde cada vez mais para as famigeradas novelas.
A violência em certos jogos é enfrentada com policiais levantando escudos em volta do campo de jogo. Diante de lamentáveis incidentes nos últimos dias, o que se propõe para combater as guerras entre as torcidas e proteger o espetáculo são mais leis repressoras e mais ação das autoridades do futebol.
Minha proposta para esse caso. Promover o fairplay. Condenação pública, enfática, vigorosa, não só dos idiotas das torcidas organizadas em esquadrões marciais, mas, também dos - um pouco mais espertos – que xingam os jogadores nas colunas dos jornais e revestem de xenofobismo o apoio aos clubes e seleções nacionais para lucrar com o superdimensionamento dos eventos transmitidos em rede nacional.
Isto no campo da propaganda direta. Mas, é preciso mudar a cultura principalmente no âmbito das leis. Os dirigentes do futebol insistem em resistir ao emprego que já se mostrou bem sucedido em outros esportes, de meios eletrônicos para a revisão das decisões dos juízes. A autoridade imperial atribuída aos juízes, além de propaganda direta do autoritarismo, é fonte de corrupção, com compra de resultados e estímulo à intervenção da torcida na coação aos juízes.
É preciso reduzir também a importância atribuída aos resultados dos jogos. O número de pontos no fim do campeonato não deve ser o critério decisivo para a seleção de clubes para outras competições internacionais, assim como para o rebaixamento. Essa prática resulta em valorização excessiva dos resultados, estimulando novamente o suborno e a coação dos juízes. Encerrado cada campeonato, outros aspectos objetivos do desempenho dos clubes que favorecem a elevação da qualidade dos espetáculos seriam fáceis de levar em conta na formação das próximas competições.
Não é possível eliminar os impulsos antissociais no coração das pessoas. Mas, não faz sentido estimulá-los nas atividades de lazer, em que, ao contrário, os impulsos mais nobres poderiam ter a maior facilidade de se desenvolver.

quinta-feira, 25 de abril de 2013

Leis a favor do Crime


A solução para inibir o consumo de drogas me parece que é econômica: preços altos e pesadas multas para a posse dos artigos de origem não comprovada. Para a posse, tanto por consumidores quanto por fornecedores.
E as penas devem ser pecuniárias. Penas de prisão, sobretudo quando limitada aos traficantes, só podem ser explicadas pela intenção de estimular o negócio da venda da liberdade pelas autoridades ao comerciante fora da lei, que funciona como um arrecadador de tributos. Na verdade o ódio dos nossos legisladores aos traficantes é do mesmo tipo do que os fariseus devotavam aos publicanos do Império Romano.
Os usuários são os principais culpados, pois sem demanda não há oferta. Podem ser vítimas de propaganda, que deve ser enfrentada por campanhas educativas. Mas, nenhuma propaganda é tão forte quanto a que se está fazendo com o projeto de lei que isenta de qualquer pena o usuário, limitando a perseguição ao traficante.
A maconha e a cocaína devem ser vendidas em condições idênticas às do tabaco e das bebidas alcoólicas. E, em todos esses casos, a punição para o contrabando, o descaminho e a venda ilegal deve ser estendida ao comprador. O dolo no crime de receptação deve ser assumido como regra. Isto exige uma mudança cultural.

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Veríssimo e as religiões


Em sua crônica do último domingo, a que deu o título de Maluquices, o escritor Luís Fernando Veríssimo trata como igualmente execráveis os mistérios de todas as religiões. Ao contrário, penso que em tudo há mistérios e maluquices e o que cada religião deixa no plano do mistério não pode ser desligado do que apresenta de forma menos misteriosa e mais compreensível. Assim, não me parece justo nem condenar todas as religiões por incluírem mistérios, nem, muito menos, considerar todas iguais por isso.
A crônica vem a propósito da condenação da eleição do deputado Pastor Feliciano para presidente da comissão de direitos humanos da câmara dos deputados do Brasil. A posição do cronista é que apoiaria as manifestações contrárias a essa eleição se fossem orientadas, não contra o deputado e suas opiniões, mas, contra todas as religiões. Em certo ponto, esclarece que não são seu tema os mistérios do processo legislativo, mas, apenas os mistérios da fé.
A mim me parece que as posições expostas pelo cronista não se distinguem em nada das dominantes em todo o episódio. Quando as extravagantes opiniões de Feliciano despertam essas ferozes manifestações, é o fanatismo ateu que explica a ira desses ataques. Do mesmo modo, o desprezo pelas peculiaridades do processo legislativo reflete a complacência da elite intelectual com a estupidez, a hipocrisia e a violência que dominam a Política hoje. Articula-se essa elite, neste momento, em torno da causa homoafetiva, como, em outros momentos recentes, em defesa de complicadas teses racistas, mas nunca em defesa efetiva dos direitos dos pobres.
Dias atrás, o excelente cronista, tinha sido menos abrangente. Limitara seu ataque às religiões monoteístas. Fiquei matutando se não seria alguma predileção pelo nosso candomblé, com suas belas danças e cantos, que o levara a poupar os politeísmos. Mas, não é. A crônica em que agora coloca todas as religiões no mesmo saco desanca as igrejas pentecostais exatamente no que elas têm de semelhante ao candomblé.
Eu, humildemente, em ambos os pontos discordo do cronista e, na verdade, do pensamento majoritário que ele muito bem representa. Penso que as religiões não são todas más. E considero da maior prioridade combater a elite política responsável pelo atraso e a injustiça que prevalecem, ao longo dos séculos, em nossa sociedade.
Sou cristão. Quanto aos mistérios, isto significa para mim que são importantes três. O primeiro é a própria fé: afirma que é-nos dada a graça de, contra toda evidência, acreditar na boa nova de que há um único Deus, o Pai, que nos ama como uma mãe cheia de amor por seus filhinhos. O segundo é a esperança: faz-nos esperar, com Cristo, uma felicidade que compensa todo sofrimento, até mesmo o da morte abandonado na cruz. O terceiro é a caridade: garante que, sem saber por que, todo cristão seja capaz de querer  como o Filho o bem de todas as criaturas do Pai.
Estes mistérios, Jesus Cristo os revelou vivendo. As religiões que têm como centro a pessoa de Jesus Cristo têm neles uma diferença transcendental.

quinta-feira, 11 de abril de 2013

Crimes em Van e Ônibus


Os relatos de dois crimes que ocuparam nos últimos dias muitas páginas dos jornais do Rio ilustram bem a necessidade de substituir o princípio de punição adequada ao tipo de crime pelo de tratamento, adequado não ao crime, mas, sim, ao criminoso.
No primeiro dos dois crimes, os autores se revezavam ao volante de uma van enquanto roubavam e estupravam os passageiros. O segundo, igualmente chocante, foi cometido por um estudante de engenharia, que agrediu o motorista de um ônibus em movimento provocando a queda do veículo de um viaduto, mortes e ferimentos em muitas pessoas.
Os dois crimes têm vários elementos em comum. Ambos foram cometidos por jovens de vinte e poucos anos. Jovens educados, no sentido de terem recebido qualificação escolar suficiente, no primeiro caso, para dirigir um veículo e, no segundo, para ingressar em um curso superior. E reincidentes, os primeiros já tendo assaltado passageiros, alguns dos quais apresentaram queixa à Polícia, que ainda não tinha identificado os culpados. Contra o segundo tinham sido registradas queixas de agressão e, embora apontassem devidamente o autor, não tinham dado origem a nenhum processo judicial. Finalmente, a cobertura dada pelos jornalistas aos crimes estendeu-se, em ambos os casos, do clamor por castigo à exigência de maior fiscalização das atividades das empresas de transporte urbano.
Uma vez fui atropelado por um motoqueiro. Quando o sinal abriu, avancei pela faixa de pedestres. Ele vinha a toda velocidade entre os carros e, como anunciava sua aproximação tocando uma buzina estridente, sentia-se dispensado de obedecer ao sinal fechado. A Justiça Vindicativa é um exemplo desse mesmo tipo de desvio da racionalidade. Pretende corrigir um erro com outro.
Quando eu peço que se combata o crime com educação em vez de punição, não estou excluindo a possibilidade de que o crime revele psicopatas que precisam ser afastados do convívio social. Mas, o que fez o nosso sistema com os jovens acima, quando começaram a demonstrar suas tendências antissociais? Absolutamente nada que prevenisse os crimes bárbaros que cometeram a seguir. A Polícia estava muito ocupada na caça aos autores de crimes tipificados como mais graves, como o tráfico de drogas e a formação de empresas para oferta de transporte inseguro, para deter-se em casos de agressão, mesmo que associada a brutalidade e roubo.
Assim concebida, a Polícia – junto com o noticiário policial – constitui uma superestrutura estridente em cima de uma estrutura errada. Uma superestrutura cara que nada corrige. Sua função primeira é desviar a atenção, das causas para os efeitos.
As causas estão na estrutura social e na formação das pessoas. No primeiro caso, o que se pode fazer é simplificar a organização para tornar desnecessária a repressão. Mas, o mais importante são as pessoas. Neste caso, a solução está na educação.
A Educação precisa melhorar, não apenas no sentido de manter as crianças e adolescentes mais tempo na escola. Mas, principalmente no sentido da qualidade, oferecendo, não só, ensino diferenciado em função da capacidade de aprendizagem, mas, também, atendimento diferenciado em função da necessidade de incorporação de valores de respeito humano. Sobre um sistema educacional apropriado, será possível desenvolver um sistema penal baseado em práticas educativas para recuperar os infratores em vez do atual sistema, formador de marginais.

quinta-feira, 4 de abril de 2013

Culpado ou inocente?

O Júri, como instituição democrática, é uma tradição importante. Representa uma proteção do cidadão que dá, ao acusado pelo Estado de um crime grave, o direito de ser julgado pelos seus pares.
Mas, a esperança de absolvição pelo Júri, hoje, precisa ser analisada à luz de dois aspectos principais. Primeiro: pela lei, a decisão de submeter um caso ao Júri depende do tipo de crime e não da vontade do acusado. Segundo: a divulgação dos casos pelos meios de comunicação, de penetração crescente, tende a alcançar os jurados antes das versões da acusação e da defesa. Sabendo que a pressão da Imprensa terá um efeito muito maior que a exposição de provas durante o julgamento, muitos acusados prefeririam abrir mão do Júri, pois teriam maior probabilidade de absolvição em um julgamento técnico, em que o caso fosse analisado com mais objetividade e em maior profundidade.
Responder a quesitos objetivos depois de assistir a exposição de rápida sucessão de argumentos, testemunhos e provas materiais é tarefa difícil para o cidadão comum. O pior é que a sociedade não espera dos jurados tal avaliação objetiva do tipo de crime e se foi cometido ou não pelo réu. Espera é uma avaliação subjetiva da sua maldade. Hoje em dia, o resultado desta avaliação subjetiva é, via de regra, imposto pela Imprensa ao jurado antes que este tenha acesso aos dados processuais.
Nessas condições, a exigência constitucional de submissão ao Júri desvia-se de sua finalidade e torna-se um fator injustificado de atraso nas decisões. E quais são os efeitos desse atraso? Primeiro: multidão de acusados permanece em regime de prisão preventiva durante anos e anos aguardando a convocação do Júri. Segundo: acusados que podem contratar certos escritórios de advocacia aguardam o julgamento em liberdade por prazos ainda maiores.
Uma solução: fazer preceder o Júri de uma avaliação preliminar. Nesta, um juiz, entendendo suficientes as provas contra o acusado, com o apoio de uma equipe de especialistas com formação em Sociologia e Psicologia e considerando as circunstâncias em que ocorreu o crime, determinará a imediata submissão do acusado a tratamento psiquiátrico e medidas educativas que o possam ajudar a participar do convívio social sem risco para a coletividade. Caso ele venha a ser julgado inocente mais tarde pelo Júri, esse encaminhamento inicial não terá trazido nenhuma consequência negativa para o réu. E, se for julgado culpado, a antecipação terá trazido benefício a todos.
Os homicídios que merecem maior divulgação da Imprensa são crimes passionais. O advogado que atirou da janela a própria filha... A enfermeira que esquartejou o marido rico...  Admito que esses casos exigiriam muita competência dos especialistas. A grande maioria dos casos que ocorrem hoje no Brasil, situa-se, entretanto, em dois tipos: o dos policiais que matam no exercício de suas funções e o dos traficantes e agiotas que mandam matar seus concorrentes e devedores. São casos em que para a reinserção social ser bem sucedida deveria ser baseada em medidas visando a afastar os autores diretos dos crimes de todo acesso a armas e os autores indiretos dos recursos financeiros necessários para voltar a essas atividades.
Cabe aqui chamar a atenção para outra contribuição do mau uso dos meios de comunicação para o nosso problema. O combate a esses crimes é menos questão de educação dos seus autores que da sociedade toda. São estimulados por uma cultura que exacerba a demanda pelo consumo.