domingo, 17 de dezembro de 2017

Vandalismo

Segundo tese da sociologia tupiniquim que vi exposta hoje em um dos nossos grandes jornais, o vandalismo dos torcedores que na noite do último jogo do Flamengo criavam conflitos para cercar idosos e roubavam atropelados caídos no chão seria uma resposta do nosso povo à selvageria com que nossos governantes o espoliam.
Lembro que, nos quebra-quebra que precederam o golpe de 2015, também se tentava legitimar o vandalismo dos que destruíam vidraças para saquear lojas como fruto da indignação diante dos crimes revelados aos procuradores da Lava-Jato.
Pra mim, o buraco é um pouco mais embaixo. Concordo que ladrões a gente encontra em toda parte. Não se pode, entretanto, deixar de ver que a reação indignada a terem sido flagrados criminosos no partido em que se tinham concentrado as esperanças de moralização da política foi explorada, simplesmente, para permitir a tomada do poder pelas forças mais corruptas e reacionárias da nossa política.
Quando isso aconteceu, vimos essa mesma sociologia de botequim sustentar que o país passara a ser governado pela elite econômica, contra a qual a única esperança tornava a ser a revolta popular. Com isto eu já não concordo, novamente. Não foi a elite econômica, mas, a parcela mais atrasada da oligarquia que tomou o poder.
Quando ela procura travar o progresso social anulando conquistas dos aposentados do serviço público, não há porque devamos supor que essa é a vontade de todo o empresariado. Ao mesmo tempo em que ela consegue, espertamente, dividir os trabalhadores, explorando a inveja dos que não tem aposentadoria integral, é preciso que os trabalhadores consigam perceber que os empresários que valorizam o trabalho e protegem o meio ambiente também estão sendo dizimados por essa suposta elite que odeia a competição, o mérito e a qualidade.
 A barbárie perpetrada em torno de um jogo de futebol não é resposta a nada. É a mesma barbárie que domina a política e a economia. E é ela mesma o inimigo a combater. A luta do povo por direitos sociais, políticos, econômicos e culturais é uma só. O emprego de qualidade, a democracia republicana, a livre concorrência e a lealdade no esporte só podem ser conquistados pacificamente.

Na política, nossa única arma continua sendo o voto. Votando para prestigiar programas partidários e espírito público. No campo social, voto por mais verbas para educação e saúde. No campo econômico, por menos verbas para proteger interesses dos poderosos. Na cultura, entre outros fins, por uma Imprensa preparada para diferenciar amor ao clube de facciosismo.

quarta-feira, 3 de maio de 2017

Mais Reforma Política

Winston Churchill disse uma vez: “The best argument against democracy is a five-minute conversation with the average voter”. Isto não o impediu de dizer, noutro momento: “Democracy is the worst form of government, except for all the others”.
A coisa é simples. Se temos necessidade de governantes, temos necessidade de limitar seu poder. A escolha do regime democrático é uma escolha de compromisso. Abrimos mão de escolher os melhores governantes, em troca do poder de, de tempos em tempos, substituir os que são escolhidos. A grande virtude da democracia é a alternância dos partidos no poder. Não se espere do eleitorado a capacidade de escolher o que é melhor para o povo. O importante é que a existência de eleições constitua uma ameaça séria de deposição para os governantes de cada dia.
Com o desenvolvimento do marketing político e do caixa 2 eleitoral essa virtude capital da democracia se perdeu, no Brasil. As empreiteiras, os barões da propaganda e seus parceiros estão no poder há um século.
Uma onda internacional levou os últimos governos a aprovar uma legislação anticorrupção que, aplicada com rigor pelo Poder Judiciário, está levando alguns poderosos à cadeia. A competência da Polícia e do Ministério Público é limitada e só o tempo dirá até que ponto eles serão capazes de aplicar eficientemente instrumentos como o da delação premiada. De qualquer modo, nossos políticos estão se vendo diante do risco de punições severas, se a democracia começar a funcionar. Perder a próxima eleição pode passar a envolver o risco de ter os seus crimes de corrupção apurados e punidos sob um governo hostil. Contra essa ameaça, eles tentam unir-se.
Eles estão ocupados em realizar as mudanças no Poder Judiciário de que necessitam para safar-se agora, mas, com o tempo, desenvolverão formas mais elaboradas de receber suas propinas. E, principalmente, em algum tempo, recuperarão a concentrarão de poder que lhes permita preservar a leniência dos sucessores para evitar que a corrupção seja esclarecida. Mais importante que castigar os que foram pegos neste momento de transição é aproveitar sua fraqueza eventual para fortalecer a democracia.
A Reforma Política, sendo realizada pelos eleitos, dificilmente ampliará as chances de vitória das oposições. Entretanto, podemos explorar conflitos de interesses. A ampliação das inelegibilidades aos ministros e secretários pode contar com apoio de congressistas. A criminalização do financiamento das campanhas pelos proprietários e dirigentes das empresas com contratos com o governo e pelos seus “laranjas”, também, quem sabe?
Mais importante que tudo continuo achando que é o fortalecimento dos partidos. O fim das coligações e o voto em lista podem ser aprovados por, acidentalmente, satisfazer algum interesse eventual de políticos ameaçados. Precisamos que sejam aprovados, não pelo bem dos maus políticos, mas, pelo da democracia.

A opção é esta, entre defender a democracia com unhas e dentes ou permanecer sob um daqueles outros regimes a que Churchill se referia.

quinta-feira, 16 de março de 2017

Reforma da Previdência


Falta uma cláusula pétrea à nossa Constituição: a Lei não compensará injustiças com novas injustiças. Com esse fundamento e um STF inteligente, murcharia, aos poucos, a política de submissão do bem comum a mesquinhos interesses particulares que emperra o nosso país.

Sobre a questão da Previdência, eis um episódio muito esclarecedor. Na semana passada, Cora Rónai, mulher e inteligente, expõe argumentos simples pelos quais julga que mulheres não devem pugnar por privilégios na Previdência. Esperava, hoje, ver a outra cronista do segundo caderno dO Globo, especializada na defesa de algumas minorias e outras maiorias, contestar esses argumentos. Que nada! ouvidos moucos, ela volta com a sua mesma tese de sempre: as coitadas das mulheres e dos negros (e, ainda acrescenta, os jovens!) precisam de compensação. Por isso, lutemos por direitos especiais para os velhos que não contribuíram em detrimento dos contribuintes da Previdência...

Não é que não me sensibilize a velhice das viúvas-gay e dos empresários sem terra. Todos merecem assistência. E, principalmente, trabalho igual deve gerar direitos iguais. Mas, como deixou claro a Cora, a luta pela igualdade de salários tem de ser travada em outro campo. A confusão no debate da Previdência Social é que dá margem ao retrocesso que hoje se perpetra.

A Previdência Social é uma conquista dos trabalhadores. Políticos e jornalistas sem caráter estão destinando a Previdência Social para os que não contribuíram e atirando os que conquistaram uma posição melhor no mercado de trabalho aos custos e riscos da Previdência Privada. 

Em qualquer país sério, a Previdência Social, com um cálculo atuarial honesto, é mais barata e mais confiável que a Previdência Privada. Se chegar a apresentar déficit, uma leve correção de alíquotas e prazos restaurará o equilíbrio. É um absurdo que a Previdência Privada consiga voltar a dominar o Brasil.