terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Milhões de multas

Em 2013, a prefeitura do município do Rio de Janeiro bateu recordes, no número de multas de trânsito aplicadas e no valor arrecadado com a cobrança de multas de trânsito. Aplicou mais de dois milhões e quatrocentas mil multas, ou seja, em média, um motorista é vítima de uma multa a cada treze segundos.
Este cálculo contabiliza apenas a atuação da Prefeitura do Rio. Estão fora da conta os recursos arrecadadas pelo Estado nas Operações Lei Seca e nas vias geridas pelo Departamento Estadual de Estradas de Rodagem. Há ainda as multas da Polícia Rodoviária Federal. Segundo cálculos divulgados nO Globo anteontem pelo jornalista Luiz Ernesto Magalhães, desde que o novo Código Nacional de Trânsito entrou em vigor em 1999, já foram aplicadas no Rio mais de 20 milhões de multas, gerando cobrança estimada em um bilhão e meio de reais. Desse total, a terça parte foi arrecadada de 2009 a 2012.
A Lei proíbe o desvio dos recursos arrecadados com a aplicação de multas para outras rubricas do orçamento municipal. Mas, do total arrecadado pela Prefeitura do Rio, cerca da terça parte é gasta com os equipamentos utilizados. Elevada parcela constituem também os gastos com contratação de agentes para operarem o sistema de repressão às infrações do Código, de modo que a soma desses dois tipos de pagamentos dá mais de metade da arrecadação. Isso significa que não apenas a monstruosa máquina de multar se alimenta do enorme volume de dinheiro que tira da população. Mais que isso, a “parte do leão” é transferida para fornecedores de bens e serviços, que se locupletam com mais de metade da arrecadação bilionária.
A existência do Brasil de uma frente parlamentar com o suposto objetivo de reduzir o número de mortes no trânsito se explica pelo volume de dinheiro desviado para essas pessoas. Grandes interesses econômicos como os constituídos em torno das multas são sempre representados por lobbies poderosos. É apenas complementar a outra motivação, a exploração demagógica da heurística da disponibilidade: acidentes são manchetes negativas e um caminho fácil para ganhar votos é se declarar capaz de enfrentar qualquer possível causa dessas manchetes.
A maior parte das multas aplicadas em 2012 pela Prefeitura (uma porcentagem de 54%, que corresponde a mais de um milhão e trezentas mil multas) é por ultrapassar os limites de velocidade impostos pelas autoridades do trânsito. Isto prova a absurda inadequação desses limites.
Para perceber isso, basta atentar para o fluxo de veículos durante o dia. O fluxo se condensa nos pontos em que estão localizados os “pardais”, com os motoristas reduzindo a velocidade naqueles pontos e acelerando a seguir. As infrações ocorrem nos períodos do dia em que o tráfego se reduz. Nesses períodos, o motorista que não quer desviar a atenção do caminho para olhar no velocímetro se já atingiu a redução de velocidade imposta pelo sistema de arrecadação acaba atingido por uma multa.
Por outro lado, somente a minúscula fração de 0,3% da arrecadação é gasta em programas de educação dos motoristas.
As autoridades reconhecem que programas de educação poderiam reduzir as infrações que tornam infernal o trânsito na cidade, com destaque para a obstrução de cruzamentos e o estacionamento em fila dupla. Tanto quanto chamar a atenção para a contribuição que cada motorista pode dar para a melhoria do trânsito, o governo poderia criar programas de transporte escolar público para evitar que pais deseduquem os filhos, visto que boa parte dessas infrações é cometida levando os filhos atrasados para a escola.
È indiscutível a falta de educação do motorista do Rio. O sistema de gerenciamento do trânsito contribui para isso não apenas por omissão das autoridades. É fato que faltam campanhas chamando a atenção para a estupidez de obstruir o tráfego ou de acionar a buzina para castigar o motorista que obstrui a passagem. Mas, o motorista do Rio é também deseducado pela própria atuação das autoridades. As regras arbitrárias desorientam o motorista. E a violência que sofre de um sistema criado para transferir dinheiro a associados o ensina a aderir à lei da selva e considerar apenas o seu interesse de ir em frente.

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