quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Irresponsabilidade da Cultura


Uma escritora acaba de resumir em artigo na seção de opinião de um dos jornais da nossa grande imprensa, a que deu o título de ‘Cultura da Irresponsabilidade’, o veredicto dos intelectuais sobre a tragédia de Santa Maria. A culpa teria sido do nosso desprezo pelas leis. O brasileiro se diverte em desrespeitar os limites de lotação – “Sempre cabe mais um!” - e emprega segurança particular para substituir a polícia.
Em Londres, diz ela, é diferente: em vez de desobediência há terrorismo, mas a polícia e a maioria da população estão do mesmo lado. Vale lembrar que Londres é a cidade em que a BBC e o Financial Times já manifestaram suas dúvidas sobre a capacidade do Brasil - com seus recentes incêndios e desmoronamentos - para sediar os grandes eventos esportivos dos próximos anos. O portal da BBC na internet, ao noticiar a tragédia de Santa Maria, publicou análise em que o editor da rede em São Paulo diz que as mortes devem aumentar a pressão sobre o governo brasileiro para reforçar as normas de segurança e a fiscalização de locais públicos. Nossa escritora e, com ela, toda a nossa imprensa, parece incrivelmente alinhada com essa orientação.
Nisso tudo, concordo em uma coisa: a população e a polícia estão em lados opostos no Brasil. E gostaria de lembrar, entre parêntesis, que para garantir a independência do Brasil de Portugal, o governo do Primeiro Império assumiu dívidas portuguesas de milhões de libras com os bancos ingleses. Enriquecer os ingleses para sobreviver em paz já era, à época, hábito dos nossos colonizadores.
Os brasileiros, incultos, odeiam suas leis. Para mim, isso ocorre porque, a todo instante, veem leis covardes lhe serem impostas pelos que se intitulam cultos. Os brasileiros cultos semeiam terrorismo e se desesperam quando colhem apenas desobediência.
À notícia do desastre em Santa Maria, seguiram nos jornais sucessivas exigências de mais alvarás, de normas mais detalhadas, de mais fiscalização, em mais e mais cidades do país. O incêndio em Santa Maria pode ter sido provocado por um psicopata como o do circo em Niterói. Mas há indícios de que foi provocado por faíscas de fogos de artifício que ali já tinham sido acesos antes e que agora incendiaram um revestimento acústico instalado por exigência de autoridades fiscalizadoras. Entendo a necessidade de proteção aos nossos ouvidos, porque sei como são barulhentas as festas dos nossos jovens. Entretanto, é um castigo absurdo o que, nesse caso, pela via indireta das exigências irrefletidas, os advogados dos cidadãos de Santa Maria teriam imposto à juventude da cidade.
É difícil analisar com lucidez uma ocorrência que vitima centenas de inocentes. Mas, antes de se iniciar uma campanha para tipificar novos crimes e criar novas penas, se deveria fazer um esforço para entender as causas mais profundas de ocorrências como essa. Os jovens sempre vão querer se reunir, porque o homem é um animal social. E os grupos sempre crescerão acima dos limites por mais criteriosos que sejam os bombeiros que os estabelecem e menos gananciosos os líderes do setor de divertimentos.
A verdade é que os líderes das multidões são sempre os menos capazes de decidir. O espírito gregário leva a incluir todos no grupo. E para incluir os menos racionais o grupo acaba por curvar-se à sua orientação mais emocional que inteligente. Isto é simples sociologia e não uma tentativa de transferir a culpa das autoridades para o povo. A culpa das autoridades está em estimular o comportamento irracional, contrariando, estigmatizando e marginalizando as manifestações sociais dos jovens, levando-os a desenvolvê-las em recintos fechados no meio da noite.
Precisamos corrigir o nosso conceito de cultura. O Brasil já é o país do Futebol e o país do Carnaval e está muito mal na Educação. Em vez de desperdiçar dinheiro público com a repressão aos hábitos condenados, devemos dirigi-lo para promover os hábitos sadios. Mas, não com marketing e, sim, com Escola. O caminho que enxergo para nossa evolução cultural é valorizar o esporte e a música nas escolas, destinando àquelas que exibam maior progresso nas avaliações nacionais da aprendizagem não só prêmios para os professores, mas, também, recursos para envolver seus alunos em atividades esportivas e de canto e dança. Esta premiação ajudaria a melhorar a formação cultural das novas gerações, complementando o desenvolvimento das suas faculdades intelectuais com a inserção em um ambiente propício ao seu desenvolvimento moral.
 A banalização da prática das atividades lúdicas pode vir a reduzir, em nosso país, a renda dos espetáculos de alto desempenho. Será, assim, uma forma de esvaziar a indústria do entretenimento, com seus marqueteiros, dopadores, juízes-ladrões e toda gama de falsários que nenhuma legislação repressiva consegue enfrentar. É pouco provável que isso conte com o apoio do complexo empresarial da Cultura... 

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