quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

João Paulo I

A eleição do Papa prescinde da explicitação de plataformas políticas tanto quanto de projetos de governo. Escolhe-se um homem. É apenas a personalidade dos elegíveis que orienta a escolha. Diante disso, sugiro um modelo de Papa para orientar a escolha do sucessor de Benedito XVI: João Paulo I.
É um modelo atualíssimo. A escolha dos dois papas que o sucederam entre os não italianos revela a sua influência, pois ele antecipara o voto em um cardeal brasileiro. João Paulo II, pelo gosto de estar próximo do povo, e Benedito XVI, pelo gosto de ensinar, revelaram personalidades próximas da dele. Mas, ainda há muita inspiração a buscar nele.
Resumindo a sua personalidade, vejo nele um papa voltado para o Espírito e sem medo da pobreza. Ainda que obediente ao magistério dos Papas, ele foi um bispo que nunca se esquivou de ativamente propugnar pela renovação. Já papa, é-lhe atribuída uma frase que define a revolução de que a Igreja Católica carece até hoje: “É apenas Jesus Cristo que devemos oferecer ao mundo, além desse ponto não temos razão para nos manifestarmos, nem motivo para sermos ouvidos”. Pouco antes do falecimento de Paulo VI, em mensagem de parabéns aos pais do primeiro “bebê de proveta” pelo seu nascimento, ele escreveu que “a consciência individual deve ser sempre seguida, ao mesmo tempo em que compete ao indivíduo procurar desenvolver sempre a formação da sua consciência”. Seu secretário em Veneza relata tê-lo ouvido dizer muitas vezes a casais, fazendo lembrar C. S. Lewis, algo como: “Transformamos o sexo no único pecado... é, talvez, o menor dos pecados”.
Objetivamente, estas declarações levam a crer que, em temas como o controle da natalidade e o divórcio, ele teria avançado em libertar o magistério dos compromissos com o acessório, para dar mais atenção ao essencial: o respeito à liberdade de consciência e o apoio aos mais fracos. Paul Spackman, um de seus biógrafos, cita a declaração mais simples e radical dele, de que, se pudesse, aboliria a Lei.
Suas primeiras declarações depois de eleito revelavam uma disposição a esvaziar a Cúria Romana e reduzir as dimensões materiais da Igreja. No dia seguinte à sua eleição, disse aos cardeais reunidos: “O primeiro dever da Igreja continua sendo a evangelização”. E logo a seguir, aos representantes do Corpo Diplomático: “Não temos poderes temporais a negociar”. Em um artigo de 1968, ele já denunciara a sua descrença do progresso material: “A Itália de hoje é terra de missão tanto quanto a África”...
João Paulo I desejava uma maior divisão de poder com os bispos de todo o mundo e uma Cúria consciente da sua limitação a servir. Mas, a aspiração à unidade da Igreja faz os papas eleitos se verem como representantes dos cardeais. Acredito que a busca do consenso o impediu de avançar como desejaria, nos seus 33 dias como Papa. Neste sentido, o novo papa deve aproveitar a experiência dele. Os cardeais não são todos iguais e ao papa cabe trazê-los a si, sem a pretensão da unanimidade. Acostumados ao poder, haverá sempre os que se oponham à implantação da democracia. Se o líder buscar incluir a todos, ou terá de esperar por eles indefinidamente ou acabará subjugado pelos mais autoritários. 
Formalmente, cada novo Papa reforma integralmente a direção da Cúria. No caso da eleição de um papa que quer ser um pobre para os pobres, as demissões protocolares precisam ser seguidas por nomeações de dirigentes que, como ele, se distingam pela humildade e pela fidelidade ao Espírito. É preciso entregar a função de administradores a uma equipe de pastores.
Sugeriria ao novo papa um nome para assumir imediatamente o cargo de Secretário de Estado para ajudá-lo nos seus primeiros 100 dias como sucessor de Pedro: o cardeal Ratzinger, Benedito XVI. Este novo secretário teria a missão de, usando sua experiência, proceder à eliminação dos setores do Estado do Vaticano que possam ser eliminados e desarticular toda a estrutura voltada para impor a autoridade do bispo de Roma sobre as outras dioceses. Com isso, completaria sua renúncia, retirando da Igreja consigo o que aprendeu que não faz falta à comunicação do Evangelho.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Um voto para o novo Papa

Quando o Papa renuncia, o que esperar do novo Papa? Força, para servir. O que a renuncia do Papa Benedito evidencia é o peso dos encargos que esmagam a pessoa única no vértice da pirâmide invertida que é a hierarquia da Igreja Católica.
O cristão se caracteriza por crer, confiar e, sobretudo, servir. Enquanto, nas hierarquias do poder civil, há uns poucos no cume, servidos por todos, na hierarquia das igrejas cristãs, o que seleciona as pessoas para as camadas mais especializadas deve ser a capacidade de servir. Nem sempre é assim, mas o que se vê hoje é que, enquanto em países islâmicos e em Israel se reivindica maior poder político para os líderes religiosos, no Ocidente Cristão já ninguém contesta a separação entre Igreja e Estado.
Sem dúvida, é preciso mais. O Estado laico do Ocidente ainda usa as igrejas como um apoio na manutenção da ordem, exercendo um poder repressor informal. A última encíclica de Benedito XVI, Caritas in veritate, segue na direção certa, de afastar a Igreja do papel de tutor dos costumes e colocá-la no papel de agente da mudança. Em um mundo dominado pelo ódio, seria bom se os que são movidos pelo amor pudessem concentrar seus esforços em torno de um novo Papa que não tenha medo de apontar as injustiças, ao mesmo tempo em que afaste a Igreja da defesa de leis que impõem formas específicas de lidar com situações complexas em que a decisão deveria ser deixada à consciência das pessoas.
Desprezar a atuação da Igreja em obediência ao mandamento da caridade e valorizar a imposição de normas adjetivas irrelevantes para a ordem econômica e que limitam a influência civilizadora do Evangelho tem sido a linha mestra da imprensa brasileira no tratamento das questões religiosas. Há uma ética cristã, de deveres para com o próximo decorrentes do amor de Deus, extremamente importante para os cristãos enquanto tais, mas, não para os nãos cristãos. Os ditames dessa ética não devem interferir nas leis da sociedade. No outro sentido, há hábitos e costumes contrabandeados para o campo dos valores da Igreja, que nada tem a ver com o cristianismo. Penso que se deveria buscar um Papa capaz de eliminar o comprometimento da Igreja com as leis civis.
O cristão, como cidadão, deve obedecer à lei. Mas, seu comportamento é dirigido não pelas normas que lhe são impostas externamente pela ordem legal, mas pelos princípios do amor a Deus e ao próximo inscritos no seu íntimo. Estigmatizar e criminalizar comportamentos no âmbito do sexo e da família são formas sutis de legitimar uma ordem social baseada na repressão das aspirações dos oprimidos. Em vez de encarniçar-se na proteção a costumes que a civilização ultrapassou, precisa-se de uma Igreja Católica que se empenhe em libertar as crianças da fome e as mulheres da violência.
A educação cristã, enquanto denuncia as leis criadas para proteger privilégios e preservar desigualdades, deve privilegiar a discussão das relações históricas entre a ética religiosa e a moral das civilizações. Deve questionar abertamente a discriminação pelo gênero e pela orientação sexual, como compensação ao tempo em que, por apego aos costumes antigos acidentalmente registrados na literatura religiosa, favoreceu o obscurantismo e a violência contra as pessoas em situação mais vulnerável.
Os líderes cristãos devem buscar deixar claro que o mandamento da obediência se insere nesse contexto e que não há culpa na desobediência a ordens que firam a integridade física ou psicológica das pessoas, venham de que autoridade vierem, dos pais, dos pastores, dos legisladores ou dos juízes. A rigidez das instituições é contrária ao cristianismo, para o qual a adesão ao Verbo Divino liberta da submissão à letra fria da lei.
Em resumo, o que gostaria de encontrar em um novo Papa é uma adesão à luta pela liberalização dos costumes de modo a propiciar aos cristãos efetivamente viver a sua fé. Isto parece exigir, em primeiro lugar, raspar a casca de legalismo que envolve a Igreja Católica e a impede de aparecer efetivamente como instrumento de divulgação do Evangelho.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

O Engano das Cotas


Tramita na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro projeto do governo estipulando cotas para admissão à sexta série do ensino fundamental no Colégio de Aplicação da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Segundo o projeto, a classificação resultante da prova deverá ser contrariada para que seja admitida elevada porcentagem dos alunos com determinada cor da pele, outra percentagem de filhos de pais com determinada profissão, e assim por diante.
A Educação no Brasil é vítima preferencial da ânsia dos nossos políticos em produzir projetos de lei esquisitos. Trata-se, no caso da Educação, de aplicação equivocada do princípio do “muito barulho por nada”. Este princípio da Psicologia orienta a discussão em todas as casas legislativas, órgãos da imprensa e todo tipo de conselhos em que se reúnam pessoas que se consideram importantes. Os pontos da pauta de cuja decisão a respeito dos quais não se possa esperar maiores consequências concentram todas as manifestações dos políticos, jornalistas e conselheiros, em geral. Aplicar esse princípio à Educação revela o baixo valor que lhe atribuem.
Com o argumento de que o mesmo já foi tentado nos Estados Unidos para combater a segregação da minoria negra naquele país, vem sendo aprovadas leis impondo cotas raciais no ingresso às boas universidades brasileiras. Como no Brasil a diferenciação pela cor da pele não é tão significativa, cotas de outra natureza vêm sendo introduzidas como remendos nessas leis. O que disso pensem os educadores ou como a Universidade americana respondeu à prática das cotas, não interessa. Os americanos são racistas, as universidades são conservadoras e ponto final.
Sem dúvida, a educação pode ser um importante fator de mudança. Está demonstrado que acesso à escola de qualidade gera ascensão social. Mas, desvirtuando a formação das turmas o que se está produzindo é apenas o enfraquecimento desse fator, dificultando mais o funcionamento de um sistema educacional já combalido por repetidos erros do planejamento estratégico nacional.
Por que será que se realizam exames de admissão a certos cursos? Essencialmente, porque os alunos são o centro do processo de aprendizagem. Aprender é difícil e a dinâmica da aprendizagem envolve a interação entre os alunos. A homogeneidade das turmas é tanto mais necessária para o êxito dessa interação, quanto mais complexo é o objeto da aprendizagem.
Se os nossos políticos desejassem mesmo favorecer a mobilidade social, bastaria que aprovassem uma indicação: Mais verbas para a escola pública! Enquanto sacrificar a qualidade da educação podia fazer sentido no combate à humilhação da minoria negra nos Estados Unidos, desqualificar a Educação só piora a situação da maioria pobre do Brasil.
O que se deve buscar é que as crianças pobres cheguem à sexta série em condições de vencer a disputa pelo ingresso no Colégio de Aplicação da UERJ. Enquanto não se eleva, globalmente, a qualidade da escola para a maioria pobre, criar dificuldades para as poucas escolas públicas que se destacam pela qualidade é trabalhar não só contra a Educação, mas, também, contra a mobilidade social.Tramita na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro projeto do governo estipulando cotas para admissão à sexta série do ensino fundamental no Colégio de Aplicação da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Segundo o projeto, a classificação resultante da prova deverá ser contrariada para que seja admitida elevada porcentagem dos alunos com determinada cor da pele, outra percentagem de filhos de pais com determinada profissão, e assim por diante.
A Educação no Brasil é vítima preferencial da ânsia dos nossos políticos em produzir projetos de lei esquisitos. Trata-se, no caso da Educação, de aplicação equivocada do princípio do “muito barulho por nada”. Este princípio da Psicologia orienta a discussão em todas as casas legislativas, órgãos da imprensa e todo tipo de conselhos em que se reúnam pessoas que se consideram importantes. Os pontos da pauta de cuja decisão a respeito dos quais não se possa esperar maiores consequências concentram todas as manifestações dos políticos, jornalistas e conselheiros, em geral. Aplicar esse princípio à Educação revela o baixo valor que lhe atribuem.
Com o argumento de que o mesmo já foi tentado nos Estados Unidos para combater a segregação da minoria negra naquele país, vem sendo aprovadas leis impondo cotas raciais no ingresso às boas universidades brasileiras. Como no Brasil a diferenciação pela cor da pele não é tão significativa, cotas de outra natureza vêm sendo introduzidas como remendos nessas leis. O que disso pensem os educadores ou como a Universidade americana respondeu à prática das cotas, não interessa. Os americanos são racistas, as universidades são conservadoras e ponto final.
Sem dúvida, a educação pode ser um importante fator de mudança. Está demonstrado que acesso à escola de qualidade gera ascensão social. Mas, desvirtuando a formação das turmas o que se está produzindo é apenas o enfraquecimento desse fator, dificultando mais o funcionamento de um sistema educacional já combalido por repetidos erros do planejamento estratégico nacional.
Por que será que se realizam exames de admissão a certos cursos? Essencialmente, porque os alunos são o centro do processo de aprendizagem. Aprender é difícil e a dinâmica da aprendizagem envolve a interação entre os alunos. A homogeneidade das turmas é tanto mais necessária para o êxito dessa interação, quanto mais complexo é o objeto da aprendizagem.
Se os nossos políticos desejassem mesmo favorecer a mobilidade social, bastaria que aprovassem uma indicação: Mais verbas para a escola pública! Enquanto sacrificar a qualidade da educação podia fazer sentido no combate à humilhação da minoria negra nos Estados Unidos, desqualificar a Educação só piora a situação da maioria pobre do Brasil.
O que se deve buscar é que as crianças pobres cheguem à sexta série em condições de vencer a disputa pelo ingresso no Colégio de Aplicação da UERJ. Enquanto não se eleva, globalmente, a qualidade da escola para a maioria pobre, criar dificuldades para as poucas escolas públicas que se destacam pela qualidade é trabalhar não só contra a Educação, mas, também, contra a mobilidade social.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Irresponsabilidade da Cultura


Uma escritora acaba de resumir em artigo na seção de opinião de um dos jornais da nossa grande imprensa, a que deu o título de ‘Cultura da Irresponsabilidade’, o veredicto dos intelectuais sobre a tragédia de Santa Maria. A culpa teria sido do nosso desprezo pelas leis. O brasileiro se diverte em desrespeitar os limites de lotação – “Sempre cabe mais um!” - e emprega segurança particular para substituir a polícia.
Em Londres, diz ela, é diferente: em vez de desobediência há terrorismo, mas a polícia e a maioria da população estão do mesmo lado. Vale lembrar que Londres é a cidade em que a BBC e o Financial Times já manifestaram suas dúvidas sobre a capacidade do Brasil - com seus recentes incêndios e desmoronamentos - para sediar os grandes eventos esportivos dos próximos anos. O portal da BBC na internet, ao noticiar a tragédia de Santa Maria, publicou análise em que o editor da rede em São Paulo diz que as mortes devem aumentar a pressão sobre o governo brasileiro para reforçar as normas de segurança e a fiscalização de locais públicos. Nossa escritora e, com ela, toda a nossa imprensa, parece incrivelmente alinhada com essa orientação.
Nisso tudo, concordo em uma coisa: a população e a polícia estão em lados opostos no Brasil. E gostaria de lembrar, entre parêntesis, que para garantir a independência do Brasil de Portugal, o governo do Primeiro Império assumiu dívidas portuguesas de milhões de libras com os bancos ingleses. Enriquecer os ingleses para sobreviver em paz já era, à época, hábito dos nossos colonizadores.
Os brasileiros, incultos, odeiam suas leis. Para mim, isso ocorre porque, a todo instante, veem leis covardes lhe serem impostas pelos que se intitulam cultos. Os brasileiros cultos semeiam terrorismo e se desesperam quando colhem apenas desobediência.
À notícia do desastre em Santa Maria, seguiram nos jornais sucessivas exigências de mais alvarás, de normas mais detalhadas, de mais fiscalização, em mais e mais cidades do país. O incêndio em Santa Maria pode ter sido provocado por um psicopata como o do circo em Niterói. Mas há indícios de que foi provocado por faíscas de fogos de artifício que ali já tinham sido acesos antes e que agora incendiaram um revestimento acústico instalado por exigência de autoridades fiscalizadoras. Entendo a necessidade de proteção aos nossos ouvidos, porque sei como são barulhentas as festas dos nossos jovens. Entretanto, é um castigo absurdo o que, nesse caso, pela via indireta das exigências irrefletidas, os advogados dos cidadãos de Santa Maria teriam imposto à juventude da cidade.
É difícil analisar com lucidez uma ocorrência que vitima centenas de inocentes. Mas, antes de se iniciar uma campanha para tipificar novos crimes e criar novas penas, se deveria fazer um esforço para entender as causas mais profundas de ocorrências como essa. Os jovens sempre vão querer se reunir, porque o homem é um animal social. E os grupos sempre crescerão acima dos limites por mais criteriosos que sejam os bombeiros que os estabelecem e menos gananciosos os líderes do setor de divertimentos.
A verdade é que os líderes das multidões são sempre os menos capazes de decidir. O espírito gregário leva a incluir todos no grupo. E para incluir os menos racionais o grupo acaba por curvar-se à sua orientação mais emocional que inteligente. Isto é simples sociologia e não uma tentativa de transferir a culpa das autoridades para o povo. A culpa das autoridades está em estimular o comportamento irracional, contrariando, estigmatizando e marginalizando as manifestações sociais dos jovens, levando-os a desenvolvê-las em recintos fechados no meio da noite.
Precisamos corrigir o nosso conceito de cultura. O Brasil já é o país do Futebol e o país do Carnaval e está muito mal na Educação. Em vez de desperdiçar dinheiro público com a repressão aos hábitos condenados, devemos dirigi-lo para promover os hábitos sadios. Mas, não com marketing e, sim, com Escola. O caminho que enxergo para nossa evolução cultural é valorizar o esporte e a música nas escolas, destinando àquelas que exibam maior progresso nas avaliações nacionais da aprendizagem não só prêmios para os professores, mas, também, recursos para envolver seus alunos em atividades esportivas e de canto e dança. Esta premiação ajudaria a melhorar a formação cultural das novas gerações, complementando o desenvolvimento das suas faculdades intelectuais com a inserção em um ambiente propício ao seu desenvolvimento moral.
 A banalização da prática das atividades lúdicas pode vir a reduzir, em nosso país, a renda dos espetáculos de alto desempenho. Será, assim, uma forma de esvaziar a indústria do entretenimento, com seus marqueteiros, dopadores, juízes-ladrões e toda gama de falsários que nenhuma legislação repressiva consegue enfrentar. É pouco provável que isso conte com o apoio do complexo empresarial da Cultura... 

quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Exame Nacional para o Ensino Superior


Nos últimos anos, governos de estados brasileiros têm criado sistemas de estímulo aos professores do ensino fundamental que associam ao desempenho dos alunos gratificações para os professores. É uma forma de atrair e manter na carreira docente profissionais melhor qualificados. E de premiar os que se interessam em que os seus alunos aprendam.
O ensino médio, que se revelou decisivo para o salto rumo ao desenvolvimento de países de diferentes continentes, entre nós permanece envolto em maiores incertezas. Nesse nível, não basta agir do lado da demanda do trabalho, pagando melhor por melhores profissionais. Há escassez de bons profissionais para serem contratados, porque a Universidade não consegue atrair para os cursos de licenciatura bons alunos em quantidade suficiente.
E aqui chegamos ao ponto crítico: o ensino superior. Uma universidade em que a pesquisa é forte atrai bons estudantes para os cursos ligados ao conhecimento. Mas, temos aqui um círculo, porque para desenvolver a pesquisa a universidade precisa atrair os mais capazes.
A carreira acadêmica precisa atrair jovens capazes. A nova lei sobre o magistério superior avança nesse sentido ao eliminar os concursos para cargos intermediários da carreira. Os cargos intermediários, para os quais vinham sendo abertos praticamente todos os concursos, exigem titulação, obrigando as pessoas atraídas pela carreira a passarem antes pela posição de alunos de pós-graduação.
A exigência de pós-graduação em área de competência do departamento, além da restrição a candidatura de estrangeiros, limitava a inscrição em cada concurso a um punhado de candidatos. Na escolha entre eles, empregava-se, via de regra, uma prova de duas ou três questões dissertativas, uma apresentação oral e a análise do curriculum vitae, em que o candidato esclarecia o departamento em que obtivera seu título de pós-graduação e, caso tivesse publicações, quem eram seus co-autores.
O equívoco de aplicar esse sistema no Brasil é maior porque o processo de admissão na pós-graduação é, entre nós, também, em muitos casos, completamente errado. Um exemplo do modelo que aqui prevalece vi praticado na seleção para ingresso em 2013 nos cursos de mestrado e doutorado de uma universidade que é considerada a mais importante (para alguns a única) universidade particular de pesquisa do país. Prova escrita com apenas duas questões com questões diferentes para os candidatos interessados em cada diferente linha de pesquisa. Uma entrevista sobre cuja matéria nada é informado no edital. São levados em conta ainda, cartas de referência, curriculum vitae exposto de forma ampliada em um memorial e anteprojeto em que o candidato demonstre conhecer o que deverá vir a aprender a pesquisar no curso. Não há informação sobre como essas diferentes avaliações são realizadas, mas delas é extraída uma ordenação final dos candidatos, da qual não se admite contestação.
O suposto aproveitamento de tão disparatada informação e a arrogância em não expor o algoritmo empregado na avaliação faz crer que sofisticados recursos psicológicos são empregados na avaliação dos candidatos a esse curso. Para quem conhece o assunto, é claro que não é nada disso. Pedi informações à coordenadora da pós-graduação e não obtive resposta. Seleções assim, o padrão no nosso meio acadêmico, refletem, simplesmente, a incapacidade dos professores de medir seriamente e o seu horror à medição objetiva. Entretanto, a admissão dos melhores candidatos seria a única esperança de correção nas áreas ocupadas por professores com essas limitações.
Não sei se a nova lei vai vingar. Mas, vejo essa mudança como boa ocasião para um passo mais largo para o sistema de seleção dos meus sonhos para a carreira do magistério superior no Brasil.  Seria substituir os departamentos acadêmicos na administração dos concursos por um sistema unificado nacional. Isso deixaria claras para todos as possibilidades de ingresso na carreira e dispensaria os candidatos de deslocar-se até cada departamento em busca de vaga.
Melhor ainda se, em cada concurso, universidades públicas e privadas de locais e áreas do conhecimento diferentes disputassem com salários diferenciados os melhores candidatos. Com uma classificação nacional baseada em atributos fundamentais, cada região e área de pesquisa poderia, oferecendo melhores salários, disputar os melhores professores para os seus alunos. A possibilidade de serem escolhidos para as melhores posições na academia em concursos realizados com plena transparência seria a forma de atrair para a pesquisa os jovens com maior potencial para desenvolvê-la.

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Mãos pesadas


Há alguns dias, tornou-se notícia de jornal um estudo de dois pesquisadores de Brasília, comparando os ocupantes de funções críticas no serviço público. É sabido que os altos dirigentes do setor público têm a liberdade de nomear para os chamados cargos em comissão pessoas de sua confiança. Podem ser nomeados funcionários de carreira, mas, não necessariamente. Em regimes parlamentaristas, em que os governos podem ser destituídos frequentemente, evita-se trazer de fora pessoas para esses cargos, para evitar excessiva descontinuidade na gestão. Em regimes presidencialistas, com mandatos longos e reeleições, a tendência é os que chegam de fora do serviço público constituírem maioria.
Espera-se dessas pessoas que chegam de fora maior dinamismo e capacidade de inovação. Esta é a justificativa teórica para a sua vinda. Quem já está acostumado a um determinado funcionamento, tende a mudar menos. E esse é o resultado do estudo divulgado pelo jornal. Com um acréscimo. Os que não são funcionários públicos, além de inovar mais, tendem a envolver-se mais em crimes contra a administração pública.
Este último aspecto também não é surpreendente. Quem inova mais, erra mais. Muitos erros podem derivar do desconhecimento do sistema, outros da gestão temerária de quem tem uma personalidade mais ativa. De outro lado, funcionários melhor informados sobre as regras de conduta vigentes espera-se que não cometam tanto irregularidades. E podem evitar inovações, empregando para atingir os resultados desejados métodos já testados em situações semelhantes das quais têm mais experiência que os que vêm de fora.
A surpresa veio no dia seguinte, ao encontrarmos na página de opinião o comentário divertido de um articulista do jornal. Sua redação elegante apresentava a seguinte leitura do artigo: há dois tipos de gestores públicos, os ladrões e os vagabundos.  E, dizendo que os autores do estudo não teriam sido capazes de oferecer solução para o problema, propõe a sua, em nome da “turma da arquibancada”. Sua solução: um “sistema de vigilância e controle” que impeça os ladrões de roubar e os preguiçosos de ficar parados. O título da crônica: “olhos abertos e mãos fechadas”.
Nenhum sistema de vigilância é capaz de transformar aquele que assume um cargo para roubar em uma pessoa honesta. Muito menos transformará um preguiçoso em trabalhador. Se o jornalista quisesse descer do alto da arquibancada e entrar no campo da realidade, deveria, em vez de propor mais policiamento, pedir menos cargos em comissão a preencher no setor público, para os quais seria mais fácil escolher pessoas com as qualidades desejadas.
Mas, para o jornalista, basta ter o cuidado de fazer o seu sistema disciplinador “funcionar com pessoal de mãos pesadas e disposição suficiente para transformar a máquina estatal em algo que trabalhe com eficiência e honestidade”. Pergunta-se: se da arquibancada ele consegue encontrar essas pessoas honestas e ativas com que deseja preencher o seu sistema de vigilância e controle, por que não usá-las para preencher os cargos dos que eles serão contratados para punir?
Em vez de tornar mais pesada a “máquina estatal” fazendo-nos suportar novos níveis de controladores, o que é preciso é torná-la mais simples e mais humana. Passei a maior parte da minha vida como professor público, o protótipo do preguiçoso para os do tipo empreendedor. Exerci algumas funções de gestão superior e conheço muitos professores públicos que as exerceram. Trabalham nessas funções muito além do horário do expediente, parte do tempo corrigindo os trabalhos dos alunos e outra parte elaborando projetos para criar novos cursos e modernizar atividades. Para escrever seus artigos aproveitam as férias, única época em que podem concentrar-se para dar continuidade às pesquisas mais difíceis. Em outras áreas do Serviço Público também são muitos os que ofertam o melhor de si por um único motivo, a satisfação de exceder-se no cumprimento do dever.
Não cogitam de agradar o patrão para serem promovidos nem de agradar o cliente para receber um preço maior. Sabem que, pelo contrário, assumir encargos em excesso leva a errar e o zelo na proteção do bem comum atrai inimigos. Sabem que quem quer melhor retribuição, em vez de trabalhar pesado, deve dedicar-se é à propaganda. É mais fácil esculpir uma falsa imagem de competência ficando na arquibancada em vez de enfrentar a dura prova da realidade a que se expõe quem prefere servir o público com dedicação.
Para combater os crimes dos servidores públicos, aplique-se o Código Penal. O que falta não é repressão, são instrumentos que valorizem os serviços efetivamente prestados acima do padrão de desempenho esperado.
O fascínio da Imprensa com teses simplistas como essa dos controladores de mãos pesadas é uma ameaça à democracia. Dele se originam as leis fascistas como a que dá a qualquer juiz o poder de cassar candidaturas a cargos eletivos ou a que atribui à polícia o poder de prender qualquer motorista sob a alegação de ter bebido.

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Milhões de multas

Em 2013, a prefeitura do município do Rio de Janeiro bateu recordes, no número de multas de trânsito aplicadas e no valor arrecadado com a cobrança de multas de trânsito. Aplicou mais de dois milhões e quatrocentas mil multas, ou seja, em média, um motorista é vítima de uma multa a cada treze segundos.
Este cálculo contabiliza apenas a atuação da Prefeitura do Rio. Estão fora da conta os recursos arrecadadas pelo Estado nas Operações Lei Seca e nas vias geridas pelo Departamento Estadual de Estradas de Rodagem. Há ainda as multas da Polícia Rodoviária Federal. Segundo cálculos divulgados nO Globo anteontem pelo jornalista Luiz Ernesto Magalhães, desde que o novo Código Nacional de Trânsito entrou em vigor em 1999, já foram aplicadas no Rio mais de 20 milhões de multas, gerando cobrança estimada em um bilhão e meio de reais. Desse total, a terça parte foi arrecadada de 2009 a 2012.
A Lei proíbe o desvio dos recursos arrecadados com a aplicação de multas para outras rubricas do orçamento municipal. Mas, do total arrecadado pela Prefeitura do Rio, cerca da terça parte é gasta com os equipamentos utilizados. Elevada parcela constituem também os gastos com contratação de agentes para operarem o sistema de repressão às infrações do Código, de modo que a soma desses dois tipos de pagamentos dá mais de metade da arrecadação. Isso significa que não apenas a monstruosa máquina de multar se alimenta do enorme volume de dinheiro que tira da população. Mais que isso, a “parte do leão” é transferida para fornecedores de bens e serviços, que se locupletam com mais de metade da arrecadação bilionária.
A existência do Brasil de uma frente parlamentar com o suposto objetivo de reduzir o número de mortes no trânsito se explica pelo volume de dinheiro desviado para essas pessoas. Grandes interesses econômicos como os constituídos em torno das multas são sempre representados por lobbies poderosos. É apenas complementar a outra motivação, a exploração demagógica da heurística da disponibilidade: acidentes são manchetes negativas e um caminho fácil para ganhar votos é se declarar capaz de enfrentar qualquer possível causa dessas manchetes.
A maior parte das multas aplicadas em 2012 pela Prefeitura (uma porcentagem de 54%, que corresponde a mais de um milhão e trezentas mil multas) é por ultrapassar os limites de velocidade impostos pelas autoridades do trânsito. Isto prova a absurda inadequação desses limites.
Para perceber isso, basta atentar para o fluxo de veículos durante o dia. O fluxo se condensa nos pontos em que estão localizados os “pardais”, com os motoristas reduzindo a velocidade naqueles pontos e acelerando a seguir. As infrações ocorrem nos períodos do dia em que o tráfego se reduz. Nesses períodos, o motorista que não quer desviar a atenção do caminho para olhar no velocímetro se já atingiu a redução de velocidade imposta pelo sistema de arrecadação acaba atingido por uma multa.
Por outro lado, somente a minúscula fração de 0,3% da arrecadação é gasta em programas de educação dos motoristas.
As autoridades reconhecem que programas de educação poderiam reduzir as infrações que tornam infernal o trânsito na cidade, com destaque para a obstrução de cruzamentos e o estacionamento em fila dupla. Tanto quanto chamar a atenção para a contribuição que cada motorista pode dar para a melhoria do trânsito, o governo poderia criar programas de transporte escolar público para evitar que pais deseduquem os filhos, visto que boa parte dessas infrações é cometida levando os filhos atrasados para a escola.
È indiscutível a falta de educação do motorista do Rio. O sistema de gerenciamento do trânsito contribui para isso não apenas por omissão das autoridades. É fato que faltam campanhas chamando a atenção para a estupidez de obstruir o tráfego ou de acionar a buzina para castigar o motorista que obstrui a passagem. Mas, o motorista do Rio é também deseducado pela própria atuação das autoridades. As regras arbitrárias desorientam o motorista. E a violência que sofre de um sistema criado para transferir dinheiro a associados o ensina a aderir à lei da selva e considerar apenas o seu interesse de ir em frente.