A
eleição do Papa prescinde da explicitação de plataformas políticas tanto quanto
de projetos de governo. Escolhe-se um homem. É apenas a personalidade dos
elegíveis que orienta a escolha. Diante disso, sugiro um modelo de Papa para
orientar a escolha do sucessor de Benedito XVI: João Paulo I.
É
um modelo atualíssimo. A escolha dos dois papas que o sucederam entre os não
italianos revela a sua influência, pois ele antecipara o voto em um cardeal
brasileiro. João Paulo II, pelo gosto de estar próximo do povo, e Benedito XVI,
pelo gosto de ensinar, revelaram personalidades próximas da dele. Mas, ainda há
muita inspiração a buscar nele.
Resumindo
a sua personalidade, vejo nele um papa voltado para o Espírito e sem medo da
pobreza. Ainda que obediente ao magistério dos Papas, ele foi um bispo que
nunca se esquivou de ativamente propugnar pela renovação. Já papa, é-lhe
atribuída uma frase que define a revolução de que a Igreja Católica carece até
hoje: “É apenas Jesus Cristo que devemos oferecer ao mundo, além desse ponto
não temos razão para nos manifestarmos, nem motivo para sermos ouvidos”. Pouco
antes do falecimento de Paulo VI, em mensagem de parabéns aos pais do primeiro
“bebê de proveta” pelo seu nascimento, ele escreveu que “a consciência
individual deve ser sempre seguida, ao mesmo tempo em que compete ao indivíduo
procurar desenvolver sempre a formação da sua consciência”. Seu secretário em
Veneza relata tê-lo ouvido dizer muitas vezes a casais, fazendo lembrar C. S.
Lewis, algo como: “Transformamos o sexo no único pecado... é, talvez, o menor
dos pecados”.
Objetivamente,
estas declarações levam a crer que, em temas como o controle da natalidade e o
divórcio, ele teria avançado em libertar o magistério dos compromissos com o
acessório, para dar mais atenção ao essencial: o respeito à liberdade de
consciência e o apoio aos mais fracos. Paul Spackman, um de seus biógrafos,
cita a declaração mais simples e radical dele, de que, se pudesse, aboliria a
Lei.
Suas
primeiras declarações depois de eleito revelavam uma disposição a esvaziar a
Cúria Romana e reduzir as dimensões materiais da Igreja. No dia seguinte à sua
eleição, disse aos cardeais reunidos: “O primeiro dever da Igreja continua
sendo a evangelização”. E logo a seguir, aos representantes do Corpo
Diplomático: “Não temos poderes temporais a negociar”. Em um artigo de 1968,
ele já denunciara a sua descrença do progresso material: “A Itália de hoje é
terra de missão tanto quanto a África”...
João
Paulo I desejava uma maior divisão de poder com os bispos de todo o mundo e uma
Cúria consciente da sua limitação a servir. Mas, a aspiração à unidade da
Igreja faz os papas eleitos se verem como representantes dos cardeais. Acredito
que a busca do consenso o impediu de avançar como desejaria, nos seus 33 dias
como Papa. Neste sentido, o novo papa deve aproveitar a experiência dele. Os
cardeais não são todos iguais e ao papa cabe trazê-los a si, sem a pretensão da
unanimidade. Acostumados ao poder, haverá sempre os que se oponham à
implantação da democracia. Se o líder buscar incluir a todos, ou terá de esperar
por eles indefinidamente ou acabará subjugado pelos mais autoritários.
Formalmente,
cada novo Papa reforma integralmente a direção da Cúria. No caso da eleição de
um papa que quer ser um pobre para os pobres, as demissões protocolares
precisam ser seguidas por nomeações de dirigentes que, como ele, se distingam
pela humildade e pela fidelidade ao Espírito. É preciso entregar a função de
administradores a uma equipe de pastores.
Sugeriria
ao novo papa um nome para assumir imediatamente o cargo de Secretário de Estado
para ajudá-lo nos seus primeiros 100 dias como sucessor de Pedro: o cardeal
Ratzinger, Benedito XVI. Este novo secretário teria a missão de, usando sua
experiência, proceder à eliminação dos setores do Estado do Vaticano que possam
ser eliminados e desarticular toda a estrutura voltada para impor a autoridade
do bispo de Roma sobre as outras dioceses. Com isso, completaria sua renúncia, retirando
da Igreja consigo o que aprendeu que não faz falta à comunicação do Evangelho.
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