Uma escritora acaba de resumir em
artigo na seção de opinião de um dos jornais da nossa grande imprensa, a que
deu o título de ‘Cultura da Irresponsabilidade’, o veredicto dos intelectuais
sobre a tragédia de Santa Maria. A culpa teria sido do nosso desprezo pelas
leis. O brasileiro se diverte em desrespeitar os limites de lotação – “Sempre
cabe mais um!” - e emprega segurança particular para substituir a polícia.
Em Londres, diz ela, é diferente: em vez de desobediência há
terrorismo, mas a polícia e a maioria da população estão do mesmo lado. Vale lembrar que
Londres é a cidade em que a BBC e o Financial Times já manifestaram suas
dúvidas sobre a capacidade do Brasil - com seus recentes incêndios e desmoronamentos -
para sediar os grandes eventos esportivos dos próximos anos. O portal da
BBC na internet, ao noticiar a tragédia de Santa Maria, publicou análise em que o editor da
rede em São Paulo diz que as mortes devem aumentar a pressão sobre o governo
brasileiro para reforçar as normas de segurança e a fiscalização de locais
públicos. Nossa escritora e, com ela, toda a nossa imprensa, parece incrivelmente
alinhada com essa orientação.
Nisso tudo, concordo em uma coisa: a
população e a polícia estão em lados opostos no Brasil. E gostaria de lembrar,
entre parêntesis, que para garantir a independência do Brasil de Portugal, o
governo do Primeiro Império assumiu dívidas portuguesas de milhões de libras
com os bancos ingleses. Enriquecer os ingleses para sobreviver em paz já era, à
época, hábito dos nossos colonizadores.
Os brasileiros, incultos, odeiam suas
leis. Para mim, isso ocorre porque, a todo instante, veem leis covardes lhe
serem impostas pelos que se intitulam cultos. Os brasileiros cultos semeiam
terrorismo e se desesperam quando colhem apenas desobediência.
À notícia do desastre em Santa Maria,
seguiram nos jornais sucessivas exigências de mais alvarás, de normas mais
detalhadas, de mais fiscalização, em mais e mais cidades do país. O incêndio em
Santa Maria pode ter sido provocado por um psicopata como o do circo em
Niterói. Mas há indícios de que foi provocado por faíscas de fogos de artifício
que ali já tinham sido acesos antes e que agora incendiaram um revestimento
acústico instalado por exigência de autoridades fiscalizadoras. Entendo a
necessidade de proteção aos nossos ouvidos, porque sei como são barulhentas as
festas dos nossos jovens. Entretanto, é um castigo absurdo o que, nesse caso,
pela via indireta das exigências irrefletidas, os advogados dos cidadãos de
Santa Maria teriam imposto à juventude da cidade.
É difícil analisar com lucidez uma
ocorrência que vitima centenas de inocentes. Mas, antes de se iniciar uma
campanha para tipificar novos crimes e criar novas penas, se deveria fazer um
esforço para entender as causas mais profundas de ocorrências como essa. Os
jovens sempre vão querer se reunir, porque o homem é um animal social. E os
grupos sempre crescerão acima dos limites por mais criteriosos que sejam os
bombeiros que os estabelecem e menos gananciosos os líderes do setor de
divertimentos.
A verdade é que os líderes das
multidões são sempre os menos capazes de decidir. O espírito gregário leva a
incluir todos no grupo. E para incluir os menos racionais o grupo acaba por
curvar-se à sua orientação mais emocional que inteligente. Isto é simples
sociologia e não uma tentativa de transferir a culpa das autoridades para o povo.
A culpa das autoridades está em estimular o comportamento irracional,
contrariando, estigmatizando e marginalizando as manifestações sociais dos
jovens, levando-os a desenvolvê-las em recintos fechados no meio da noite.
Precisamos corrigir o nosso conceito de
cultura. O Brasil já é o país do Futebol e o país do Carnaval e está muito mal
na Educação. Em vez de desperdiçar dinheiro público com a repressão aos hábitos
condenados, devemos dirigi-lo para promover os hábitos sadios. Mas, não com
marketing e, sim, com Escola. O caminho que enxergo para nossa evolução
cultural é valorizar o esporte e a música nas escolas, destinando àquelas que
exibam maior progresso nas avaliações nacionais da aprendizagem não só prêmios
para os professores, mas, também, recursos para envolver seus alunos em
atividades esportivas e de canto e dança. Esta premiação ajudaria a melhorar a
formação cultural das novas gerações, complementando o desenvolvimento das suas
faculdades intelectuais com a inserção em um ambiente propício ao seu desenvolvimento
moral.
A banalização da prática das atividades
lúdicas pode vir a reduzir, em nosso país, a renda dos espetáculos de
alto desempenho. Será, assim, uma forma de esvaziar a indústria do entretenimento,
com seus marqueteiros, dopadores, juízes-ladrões e toda gama de falsários que nenhuma legislação repressiva consegue enfrentar. É
pouco provável que isso conte com o apoio do complexo empresarial da Cultura...
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