Quando o Papa renuncia, o que esperar do novo Papa? Força, para servir.
O que a renuncia do Papa Benedito evidencia é o peso dos encargos que esmagam a
pessoa única no vértice da pirâmide invertida que é a hierarquia da Igreja
Católica.
O cristão se caracteriza por crer, confiar e, sobretudo, servir. Enquanto,
nas hierarquias do poder civil, há uns poucos no cume, servidos por todos, na
hierarquia das igrejas cristãs, o que seleciona as pessoas para as camadas mais
especializadas deve ser a capacidade de servir. Nem sempre é assim, mas o que
se vê hoje é que, enquanto em países islâmicos e em Israel se reivindica maior
poder político para os líderes religiosos, no Ocidente Cristão já ninguém
contesta a separação entre Igreja e Estado.
Sem dúvida, é preciso mais. O Estado laico do Ocidente ainda usa as
igrejas como um apoio na manutenção da ordem, exercendo um poder repressor
informal. A última encíclica de Benedito XVI, Caritas in veritate, segue na
direção certa, de afastar a Igreja do papel de tutor dos costumes e colocá-la
no papel de agente da mudança. Em um mundo dominado pelo ódio, seria bom se os
que são movidos pelo amor pudessem concentrar seus esforços em torno de um novo
Papa que não tenha medo de apontar as injustiças, ao mesmo tempo em que afaste
a Igreja da defesa de leis que impõem formas específicas de lidar com situações complexas
em que a decisão deveria ser deixada à consciência das pessoas.
Desprezar a atuação da Igreja em obediência ao mandamento da caridade e
valorizar a imposição de normas adjetivas irrelevantes para a ordem econômica e
que limitam a influência civilizadora do Evangelho tem sido a linha mestra da
imprensa brasileira no tratamento das questões religiosas. Há uma ética cristã,
de deveres para com o próximo decorrentes do amor de Deus, extremamente
importante para os cristãos enquanto tais, mas, não para os nãos cristãos. Os
ditames dessa ética não devem interferir nas leis da sociedade. No outro
sentido, há hábitos e costumes contrabandeados para o campo dos valores da
Igreja, que nada tem a ver com o cristianismo. Penso que se deveria buscar um
Papa capaz de eliminar o comprometimento da Igreja com as leis civis.
O cristão, como cidadão, deve obedecer à lei. Mas, seu comportamento é
dirigido não pelas normas que lhe são impostas externamente pela ordem legal,
mas pelos princípios do amor a Deus e ao próximo inscritos no seu íntimo. Estigmatizar
e criminalizar comportamentos no âmbito do sexo e da família são formas sutis
de legitimar uma ordem social baseada na repressão das aspirações dos
oprimidos. Em vez de encarniçar-se na proteção a costumes que a civilização
ultrapassou, precisa-se de uma Igreja Católica que se empenhe em libertar as
crianças da fome e as mulheres da violência.
A educação cristã, enquanto denuncia as leis criadas para proteger
privilégios e preservar desigualdades, deve privilegiar a discussão das
relações históricas entre a ética religiosa e a moral das civilizações. Deve
questionar abertamente a discriminação pelo gênero e pela orientação sexual,
como compensação ao tempo em que, por apego aos costumes antigos acidentalmente
registrados na literatura religiosa, favoreceu o obscurantismo e a violência
contra as pessoas em situação mais vulnerável.
Os líderes cristãos devem buscar deixar claro que o mandamento da
obediência se insere nesse contexto e que não há culpa na desobediência a
ordens que firam a integridade física ou psicológica das pessoas, venham de que
autoridade vierem, dos pais, dos pastores, dos legisladores ou dos juízes. A
rigidez das instituições é contrária ao cristianismo, para o qual a adesão ao
Verbo Divino liberta da submissão à letra fria da lei.
Em resumo, o que gostaria de encontrar em um novo Papa é uma adesão à
luta pela liberalização dos costumes de modo a propiciar aos cristãos
efetivamente viver a sua fé. Isto parece exigir, em primeiro lugar, raspar a
casca de legalismo que envolve a Igreja Católica e a impede de aparecer
efetivamente como instrumento de divulgação do Evangelho.
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