Há alguns dias, tornou-se notícia
de jornal um estudo de dois pesquisadores de Brasília, comparando os ocupantes
de funções críticas no serviço público. É sabido que os altos dirigentes do
setor público têm a liberdade de nomear para os chamados cargos em comissão
pessoas de sua confiança. Podem ser nomeados funcionários de carreira, mas, não
necessariamente. Em regimes parlamentaristas, em que os governos podem ser
destituídos frequentemente, evita-se trazer de fora pessoas para esses cargos,
para evitar excessiva descontinuidade na gestão. Em regimes presidencialistas,
com mandatos longos e reeleições, a tendência é os que chegam de fora do
serviço público constituírem maioria.
Espera-se dessas pessoas que chegam
de fora maior dinamismo e capacidade de inovação. Esta é a justificativa teórica
para a sua vinda. Quem já está acostumado a um determinado funcionamento, tende
a mudar menos. E esse é o resultado do estudo divulgado pelo jornal. Com um
acréscimo. Os que não são funcionários públicos, além de inovar mais, tendem a
envolver-se mais em crimes contra a administração pública.
Este último aspecto também não é
surpreendente. Quem inova mais, erra mais. Muitos erros podem derivar do
desconhecimento do sistema, outros da gestão temerária de quem tem uma
personalidade mais ativa. De outro lado, funcionários melhor informados sobre as
regras de conduta vigentes espera-se que não cometam tanto irregularidades. E
podem evitar inovações, empregando para atingir os resultados desejados métodos
já testados em situações semelhantes das quais têm mais experiência que os que
vêm de fora.
A surpresa veio no dia seguinte,
ao encontrarmos na página de opinião o comentário divertido de um articulista
do jornal. Sua redação elegante apresentava a seguinte leitura do artigo: há
dois tipos de gestores públicos, os ladrões e os vagabundos. E, dizendo que os autores do estudo não
teriam sido capazes de oferecer solução para o problema, propõe a sua, em nome
da “turma da arquibancada”. Sua solução: um “sistema de vigilância e controle”
que impeça os ladrões de roubar e os preguiçosos de ficar parados. O título da
crônica: “olhos abertos e mãos fechadas”.
Nenhum sistema de vigilância é
capaz de transformar aquele que assume um cargo para roubar em uma pessoa
honesta. Muito menos transformará um preguiçoso em trabalhador. Se o jornalista
quisesse descer do alto da arquibancada e entrar no campo da realidade,
deveria, em vez de propor mais policiamento, pedir menos cargos em comissão a
preencher no setor público, para os quais seria mais fácil escolher pessoas com
as qualidades desejadas.
Mas, para o jornalista, basta ter
o cuidado de fazer o seu sistema disciplinador “funcionar com pessoal de mãos
pesadas e disposição suficiente para transformar a máquina estatal em algo que
trabalhe com eficiência e honestidade”. Pergunta-se: se da arquibancada ele consegue
encontrar essas pessoas honestas e ativas com que deseja preencher o seu
sistema de vigilância e controle, por que não usá-las para preencher os cargos
dos que eles serão contratados para punir?
Em vez de tornar mais pesada a
“máquina estatal” fazendo-nos suportar novos níveis de controladores, o que é
preciso é torná-la mais simples e mais humana. Passei a maior parte da minha
vida como professor público, o protótipo do preguiçoso para os do tipo
empreendedor. Exerci algumas funções de gestão superior e conheço muitos
professores públicos que as exerceram. Trabalham nessas funções muito além do
horário do expediente, parte do tempo corrigindo os trabalhos dos alunos e
outra parte elaborando projetos para criar novos cursos e modernizar atividades.
Para escrever seus artigos aproveitam as férias, única época em que podem concentrar-se
para dar continuidade às pesquisas mais difíceis. Em outras áreas do Serviço
Público também são muitos os que ofertam o melhor de si por um único motivo, a
satisfação de exceder-se no cumprimento do dever.
Não cogitam de agradar o patrão
para serem promovidos nem de agradar o cliente para receber um preço maior.
Sabem que, pelo contrário, assumir encargos em excesso leva a errar e o zelo na
proteção do bem comum atrai inimigos. Sabem que quem quer melhor retribuição,
em vez de trabalhar pesado, deve dedicar-se é à propaganda. É mais fácil
esculpir uma falsa imagem de competência ficando na arquibancada em vez de
enfrentar a dura prova da realidade a que se expõe quem prefere servir o
público com dedicação.
Para combater os crimes dos
servidores públicos, aplique-se o Código Penal. O que falta não é repressão, são
instrumentos que valorizem os serviços efetivamente prestados acima do padrão
de desempenho esperado.
O fascínio da Imprensa com teses
simplistas como essa dos controladores de mãos pesadas é uma ameaça à
democracia. Dele se originam as leis fascistas como a que dá a qualquer juiz o
poder de cassar candidaturas a cargos eletivos ou a que atribui à polícia o
poder de prender qualquer motorista sob a alegação de ter bebido.
Adorei!
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