sábado, 24 de outubro de 2015

Controle em vez de Proibição

O combate ao jogo e ao consumo de drogas se justifica pelos extremos de degradação humana a que o vício conduz. A criminalização da oferta do jogo e das drogas, entretanto, não parece reduzir o risco de pessoas serem atraídas para o vício. Ao contrário, com o aumento da remuneração devido ao risco, a oferta no Brasil cresceu sem parar. A dificuldade de obter informação às claras aumenta a vulnerabilidade dos jovens e a propaganda boca a boca emprega a clandestinidade a seu favor.
Além de não conter o uso, a proibição gera novos males. A ilegalidade leva ao desenvolvimento de uma economia paralela, com regras próprias de garantia dos contratos. Os comerciantes ilegais armam exércitos para proteção dos seus estoques e cobrança de dívidas. Os viciados que não pagam dívidas constituídas para alimentar o vício são as vítimas mais lamentáveis das mortes violentas na nossa sociedade.
Uma  consequência indireta do desenvolvimento da economia paralela fomentada pela estratégia proibicionista é que amplia o mercado para os agentes financeiros especializados na lavagem de dinheiro. Isto tem reflexos nas mais altas esferas da economia e da política.
Se a política de proibição for abandonada, empresas poderão ser constituídas legalmente para concorrer com os ilegais, pagando impostos e respeitando princípios de proteção à saúde dos usuários dos seus serviços. Além de não se esquivar ao pagamento de impostos, cada casa de jogo ou venda de drogas poderá ser obrigada a manter estrutura de combate ao vício, acompanhando potenciais viciados e informando seus familiares ou instituições de apoio que evitem a exploração deles por ilegais. Já a repressão facilita o controle dos viciados pelos traficantes.

Embora as loterias e a venda de bebidas alcoólicas já ocorram regularmente, a exploração controlada do jogo e do comércio de drogas enfrenta oposição da opinião pública conservadora, manipulada pelos interesses escusos dos beneficiários da exploração ilegal. Estes estão representados na polícia e na política, posto que governantes e agentes da lei são pagos para proteger áreas em que se desenvolvem atividades proibidas contra a repressão.

sábado, 5 de setembro de 2015

Política Científica Tropical

Uma intervenção desejável do Governo na economia é o apoio ao desenvolvimento da pesquisa científica. Entretanto, neste aspecto também, a atuação do governo brasileiro, ao longo das últimas décadas, conseguiu substituir o serviço do interesse público pelo da oligarquia.
Os dois instrumentos básicos da política científica, a concessão de bolsas de estudos e o apoio a projetos de pesquisa se transformaram gradativamente em mecanismos de simples desvio de renda. Para isso, se utilizou a veneranda estratégia de fantasiar de critérios de mérito critérios de simples reconhecimento de valores estabelecidos.
As bolsas de estudos deixaram de ser dirigidas aos jovens que demonstrem, pelo seu desempenho acadêmico, maior potencial de pesquisa, e passaram a ser  dirigidas aos programas de pós-graduação mais bem avaliados. Por seu turno, os programas de pós-graduação, assim como os pesquisadores e quaisquer outros proponentes de projetos de pesquisa, são avaliados, não pela qualidade, mas, cada vez mais exclusivamente, por dois indicadores: a quantidade de artigos publicados em periódicos de renome internacional e a quantidade de títulos de doutor concedidos.
Este segundo atributo dispensa maior análise. O poder de conceder títulos e a qualificação para recebê-los são clássicos instrumentos de preservação artificial das elites.
O outro é ainda mais perverso. Impõe uma atitude de colonizado e induz uma aproximação com grupos de pesquisa estrangeiros que não contribuem para o desenvolvimento da autonomia na pesquisa.
Não há dúvida de que os países emergentes têm de se voltar para o exterior se quiserem fortalecer sua capacidade de pesquisa. Para isso, usávamos dois mecanismos eficientes: o envio dos melhores estudantes para as melhores universidades estrangeiras e a atração de pesquisadores estrangeiros capazes de alavancar pesquisas nas nossas universidades. Com a exigência de publicar no exterior, não nos fortalecemos em nada. Em vez de buscarmos a excelência, o caminho fácil apontado por este indicador é a aproximação no exterior com linhas de pesquisa secundárias e com grupos de pesquisa cuja mentalidade etnocêntrica se compraz em satisfazer a necessidade de publicar dos que se submetam à sua liderança.
Ressalvo que esta ainda não é a regra geral. Eu mesmo, durante muitos anos desfrutei de bolsas de produtividade em pesquisa. Simplesmente porque os frutos menos importantes da minha atuação na Universidade me qualificavam para ter meus projetos aprovados e a comprovação dessa qualificação favorecia as instituições em que trabalhei. Isto foi um erro, na minúscula medida em que serviu de respaldo a um sistema errado. Erro que pretendo nunca mais repetir.

domingo, 23 de agosto de 2015

Livre para amar

A minha fraqueza, a dor que me ameaça e a maldade das pessoas me prendem na culpa do passado, no medo do futuro e no isolamento dos meus semelhantes. Mas, o sobrenatural perdão do Jesus que me chama à filiação divina livra-me da culpa, a sobrenatural proteção do Jesus que me mostra a eternidade livra-me do medo e a sobrenatural paixão do Jesus que enfrenta a Cruz por nós livra-me do isolamento.

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Realismo Democrático

Pela terceira vez neste primeiro ano de mandato da presidente da República, o Povo enche as ruas das cidades em um domingo para clamar contra o governo. Merecendo, em grandíssimo grau, as qualificações de gigantescas, pacíficas e espontâneas, essas manifestações nos enchem de orgulho da nossa democracia.
O foco das manifestações é o pedido de impeachment da presidente, que reage acusando de golpismo a oposição. O presidente da central sindical dominada pelo partido da presidente da República  ameaça pegar em armas para defendê-la. Equívocos compreensíveis.
Argumenta a presidente com os milhões de votos que lhe deram a vitória nas eleições. Não cabe contra-argumentar que as pesquisas de opinião lhe dão agora uma aprovação próxima de zero. Mas, nem toda vitória eleitoral é legítima. É exatamente o desrespeito à liberdade de manifestação da vontade popular nas urnas que está levando agora o povo às ruas. Não se deve ver nas manifestações a intenção de encurtar um mandato legítimo, mas a de anular um mandato ilegítimo por ter sido conquistado pelo uso de recursos como os do “petrolão” e das “pedaladas fiscais”.
A cassação do mandato presidencial é um ato político que deve levar em conta a conjuntura política e a realidade institucional. No regime presidencialista, há que ponderar cuidadosamente ganhos e perdas de manter ou depor um governo cuja autoridade se contesta. O custo da ruptura nas práticas é alto. Assim como, no futebol, a gente torce para o pênalti roubado não entrar, mas não anula o jogo por isso, pode ser melhor para a democracia deixar a presidente levar adiante, até o fim destes quatro anos, os malfeitos em que se envolveu.
Não há como evitar o risco de novas fraudes nas próximas eleições, mas é possível reduzir o ganho esperado dos que manipulam o voto. Há algumas leis anti-corrupção que poderiam ser aprovadas por maioria simples antes das próximas eleições. Por exemplo, quarentena de ministros e secretários: os ocupantes de cargo de primeiro escalão seriam proibidos de fazer parte do governo seguinte. Com poder limitado no tempo, eles teriam menor possibilidade de articular esquemas de corrupção. Ao mesmo tempo, os corruptores não poderiam mais esperar recompensas compatíveis com as altas propinas pagas nos últimos anos.
Outra mudança que se poderia obter por lei ordinária é uma reforma eleitoral para reduzir a necessidade de os governantes comprarem apoio no Legislativo. Para eliminar a presença no Parlamento de políticos sem representatividade, a regra eleitoral contaria, nas eleições proporcionais, só os votos nos candidatos dos quatro partidos mais votados. Os partidos sem aspirações políticas imediatas poderiam continuar a manifestar opiniões, contra ou a favor do governo, mas, sem voto nas câmaras e assembleias e legislativas para negociar apoios ilegítimos.

segunda-feira, 20 de julho de 2015

Os Políticos e a Atração do Mal

A Síndrome de Estocolmo é um fenômeno psicológico em que a vítima de sequestro acaba por apaixonar-se pelo seu algoz. È uma manifestação de um fenômeno mais amplo, em que o frágil ser humano rende-se e passa à idolatria do Mal que deveria enfrentar. Acredito que isto aconteceu no Brasil com alguns participantes do Mensalão e do Petrolão.

A polícia sucumbe à tentação de praticar os crimes que deveria inibir. Como esperar que os políticos encarregados de impor uma Constituição Solidária aos poderosos de uma colônia povoada por degradados não abuse do poder? A Lei do Mais Forte está sempre ocupando os terrenos baldios na alma humana.

A ciência política já estudou a mudança de perfil dos partidos, no processo pelo qual as correntes políticas evoluem no espectro de questões sociais e políticas que dominam o imaginário coletivo. Quando novos temas ganham destaque, os partidos que têm líderes carismáticos deslocam-se em reposta ao apoio econômico de lobbies com posições conservadoras em relação às novas questões. Essas posições se consolidam enquanto o debate personalista as escamoteia. Aos partidos que carreiam menos votos pelas virtudes percebidas nos seus líderes que pelas suas posições de princípio cabe apoiar as novas teses que contam com menor apoio dos mais poderosos no momento e perder as eleições.

Isto torna preferíveis os sistemas eleitorais que pedem a escolha entre ideias e não entre pessoas. O voto em lista, a proibição de coligações, o regime parlamentarista têm esta vantagem, de diminuir a importância das qualidades pessoais dos políticos nas eleições. Outra vantagem decorre de que os eleitores tendem a buscar nas pessoas as virtudes erradas. Para um líder nacional, as virtudes realmente importantes são as teologais. Mas, a cultura dominante valoriza, em vez da fé, a capacidade de convencer, em vez da esperança, a disposição para dar vazão à ira, em vez da caridade, a inclinação por satisfazer predileções de grupos particulares.

Um parlamentarismo com mandatos não renováveis diminuiria o atrativo de corromper os governantes, pois estes, além de ter poder por pouco tempo, estariam sujeitos a serem substituídos a qualquer momento. Além disso, reduzir o número de cargos de livre nomeação e limpar o cipoal de regulação que turva os controles contribuiria para a transparência da gestão e a detecção dos favorecimentos. 

Enquanto isto não ocorre, louvemos as leis anticorrupção que já começaram a incomodar os facínoras. Mas, não poderemos nunca prescindir da cooperação internacional para aplicar os critérios de detecção do enriquecimento injustificado. E, no mundo em que vivemos, a exacerbação dos conflitos militares estimula o tráfico de influência e a proteção aos corruptos aliados. Apoiemos novamente os governantes corrompidos de hoje quando voltarem à Oposição, se tornarem a desempenhar o velho papel de denunciantes que os levou ao poder.

segunda-feira, 13 de julho de 2015

Um Discurso do Papa Francisco


Comecemos por reconhecer que precisamos duma mudança. Quero esclarecer, para que não haja mal-entendidos, que falo dos problemas comuns de todos os latino-americanos e, em geral, de toda a humanidade. (...)

Queremos uma mudança, uma mudança real, uma mudança de estruturas. Este sistema é insuportável: não o suportam os camponeses, não o suportam os trabalhadores, não o suportam as comunidades, não o suportam os povos.... E nem sequer o suporta a Terra, a irmã Mãe Terra, como dizia São Francisco. (...) uma mudança que toque também o mundo inteiro, porque hoje a interdependência global requer respostas globais para os problemas locais. A globalização da esperança, que nasce dos povos e cresce entre os pobres, deve substituir esta globalização da exclusão e da indiferença. (...)

Sofremos de certo excesso de diagnóstico, que às vezes nos leva a um pessimismo charlatão ou a rejubilar com o negativo. Ao ver a crônica negra de cada dia, pensamos que não haja nada que se possa fazer além de cuidar de nós mesmos e do pequeno círculo da família e dos amigos (...)

Vós, os mais humildes, os explorados, os pobres e excluídos, podeis e fazeis muito. Atrevo-me a dizer que o futuro da humanidade está, em grande medida, nas vossas mãos, na vossa capacidade de vos organizar e promover alternativas criativas na busca diária dos “3 T” (trabalho, teto, terra), e também na vossa participação como protagonistas nos grandes processos de mudança nacionais, regionais e mundiais (...)

Sabemos, amargamente, que uma mudança de estruturas, que não seja acompanhada por uma conversão sincera das atitudes e do coração, acaba a longo ou curto prazo por burocratizar-se, corromper-se e sucumbir. Por isso gosto tanto da imagem do processo, onde a paixão por semear, por regar serenamente o que outros verão florescer, substitui a ansiedade de ocupar todos os espaços de poder disponíveis e de ver resultados imediatos. (...)

Porque «vimos e ouvimos», não a fria estatística, mas as feridas da humanidade dolorida, as nossas feridas, a nossa carne. Isto é muito diferente da teorização abstrata ou da indignação elegante. Isto comove-nos, move-nos e procuramos o outro para nos movermos juntos. Esta emoção feita ação comunitária é incompreensível apenas com a razão: tem um plus de sentido que só os povos entendem e que confere a sua mística particular aos verdadeiros movimentos populares (...)

Conheci de perto várias experiências, onde os trabalhadores, unidos em cooperativas e outras formas de organização comunitária, conseguiram criar trabalho onde só havia sobras da economia idólatra. As empresas recuperadas, as feiras francas e as cooperativas de catadores de papelão são exemplos desta economia popular que surge da exclusão e que pouco a pouco, com esforço e paciência, adota formas solidárias que a dignificam (...)

Sob o nobre disfarce da luta contra a corrupção, o narcotráfico ou o terrorismo – graves males dos nossos tempos que requerem uma ação internacional coordenada – vemos que se impõem aos Estados medidas que pouco têm a ver com a resolução de tais problemáticas e muitas vezes tornam as coisas piores (...)

A concentração monopolista dos meios de comunicação social que pretende impor padrões alienantes de consumo e certa uniformidade cultural é outra das formas que adota o novo colonialismo. É o colonialismo ideológico (...)

Até o crime e a violência se globalizaram. Por isso, nenhum governo pode atuar à margem duma responsabilidade comum. Se queremos realmente uma mudança positiva, temos de assumir humildemente a nossa interdependência (...)

Hoje vemos, com horror, como no Oriente Médio e noutros lugares do mundo se persegue, tortura, assassina a muitos irmãos nossos pela sua fé em Jesus. Isto também devemos denunciá-lo: dentro desta terceira guerra mundial em parcelas que vivemos, há uma espécie de genocídio em curso que deve cessar (...)


Isto disse Francisco, dia 9 último, em Santa Cruz de La Sierra. Leiam o texto integral em http://pt.radiovaticana.va/news/2015/07/10/discurso_do_papa_aos_movimentos_populares_(texto_integral)/1157336

terça-feira, 7 de julho de 2015

A Tragédia Grega

O governo de esquerda na Grécia convocou um plebiscito para decidir sobre a proposta de negociação dos credores da sua dívida externa. No plebiscito, os eleitores apoiaram a posição do governo, mas a simples convocação do plebiscito acentuou o agravamento da crise econômica do país.
Direita, Esquerda e Centrão são conceitos moldados desde a Revolução Francesa para caracterizar as forças políticas. A Direita ouve as elites, o grande empresariado, a grande Imprensa, o aparelho do Estado e conduz a massa, impondo sua liderança pela força ou pelo engano. A Esquerda procura ouvir o Povo, decifrar seus interesse legítimos  e atingir os objetivos que emergem da consciência que ele atinja dos seus próprios interesses. Enquanto essa consciência não se forma, quem acaba decidindo é o Centrão, formado por políticos mais próximos da massa, uns representando ora o perfil conservador da classe média, outros empolgados por uma ou outra bandeira mais progressista, mas, todos caracterizando-se pela dificuldade de alcançar a dimensão mais profunda dos problemas políticos.
O confronto entre Direita e Esquerda, decidido na Democracia pelo Centrão, é, na visão Marxista, um aspecto de um conflito mais fundamental entre Capital e Trabalho, entre as lideranças econômicas e os empregados. Mas, a visão estritamente política desse confronto é válida por si mesmo.  A questão é se é melhor para o progresso do país que seja este conduzido pelas lideranças da direita que não ouvem ou apenas fingem ouvir a massa ou pelas da esquerda que esperam a conscientização da massa para avançar.
O problema da opção pela direita é que as elites acabam por substituir o interesse nacional pelo seu próprio interesse. O problema da esquerda é que seus líderes legítimos têm de avançar muito devagar.
Outro vício, entretanto, aflige a esquerda. É o esquerdismo. Um desvio de direita pelo qual os líderes da esquerda trocam o objetivo de obedecer à vontade do povo pelo de fortalecer a sua liderança. No jargão militar, subordinam seus objetivos estratégicos ao objetivo tático do momento.  Foi isto que ocorreu na Grécia. O partido de esquerda convocou um plebiscito para fortalecer-se, enfraquecendo seu povo.
Os aspectos técnicos da negociação da dívida grega deveriam ter sido deixados há muito a critério de especialistas. A Democracia precisa de barreiras que protejam as decisões econômicas da influência do conflito pelo poder entre as facções políticas. No Brasil, vivemos uma situação semelhante. Erros do passado levaram à urgência de um ajuste fiscal. A administração do ajuste precisa de rapidez e eficiência que são prejudicadas pela interferência da política.
A crise grega ensina que nem Direita nem Esquerda são opções realmente progressistas. O debate político e a alternância do poder por eleições democráticas protegem-nos do arbítrio - e isto é da máxima importância – mas, não nos protegem da incompetência. Os governos de esquerda, tanto quanto os de direita, são sujeitos a corrupção e seus líderes erram tanto quanto os do Centrão.
O Povo deve ter o poder de mudar os governantes e os legisladores. Mas, assim como as decisões técnicas do dia a dia da aplicação das leis são entregues a juízes controlados por corregedores e tribunais superiores, as decisões quanto à execução das políticas de governo deve caber a especialistas.

As grandes propostas do governo eleito deveriam ser consubstanciadas em projetos e a decisão quanto a viabilizar esses projetos deveria ser objeto de julgamento de comissões de especialistas. Agências de proteção do meio ambiente, do patrimônio cultural, das minorias étnicas, etc., deveriam especializar-se em avaliar tais projetos conjuntamente com representantes dos ministérios. Concluída a seleção dos projetos prioritários, sua execução até o final deveria ser obrigação de todos os futuros governos e objeto de fiscalização tão somente dos tribunais de contas quanto à legalidade dos atos praticados pelos executores e sua fidelidade aos objetivos aprovados.