Pela terceira vez neste primeiro ano de mandato da presidente
da República, o Povo enche as ruas das cidades em um domingo para clamar contra
o governo. Merecendo, em grandíssimo grau, as qualificações de gigantescas,
pacíficas e espontâneas, essas manifestações nos enchem de orgulho da nossa
democracia.
O foco das manifestações é o pedido de impeachment da
presidente, que reage acusando de golpismo a oposição. O presidente da central
sindical dominada pelo partido da presidente da República ameaça pegar em armas para defendê-la. Equívocos
compreensíveis.
Argumenta a presidente com os milhões de votos que lhe deram
a vitória nas eleições. Não cabe contra-argumentar que as pesquisas de opinião lhe
dão agora uma aprovação próxima de zero. Mas, nem toda vitória eleitoral é
legítima. É exatamente o desrespeito à liberdade de manifestação da vontade
popular nas urnas que está levando agora o povo às ruas. Não se deve ver nas
manifestações a intenção de encurtar um mandato legítimo, mas a de anular um
mandato ilegítimo por ter sido conquistado pelo uso de recursos como os do
“petrolão” e das “pedaladas fiscais”.
A cassação do mandato presidencial é um ato político que
deve levar em conta a conjuntura política e a realidade institucional. No
regime presidencialista, há que ponderar cuidadosamente ganhos e perdas de
manter ou depor um governo cuja autoridade se contesta. O custo da ruptura nas
práticas é alto. Assim como, no futebol, a gente torce para o pênalti roubado não entrar, mas não anula o jogo por isso, pode ser melhor para a democracia deixar a presidente levar
adiante, até o fim destes quatro anos, os malfeitos em que se envolveu.
Não há como evitar o risco de novas fraudes nas próximas
eleições, mas é possível reduzir o ganho esperado dos que manipulam o voto. Há
algumas leis anti-corrupção que poderiam ser aprovadas por maioria simples
antes das próximas eleições. Por exemplo, quarentena de ministros e secretários:
os ocupantes de cargo de primeiro escalão seriam proibidos de fazer parte do
governo seguinte. Com poder limitado no tempo, eles teriam menor possibilidade
de articular esquemas de corrupção. Ao mesmo tempo, os corruptores não poderiam
mais esperar recompensas compatíveis com as altas propinas pagas nos últimos
anos.
Outra mudança que se poderia obter por lei ordinária é uma
reforma eleitoral para reduzir a necessidade de os governantes comprarem apoio
no Legislativo. Para eliminar a presença no Parlamento de políticos sem
representatividade, a regra eleitoral contaria, nas eleições proporcionais, só
os votos nos candidatos dos quatro partidos mais votados. Os partidos sem
aspirações políticas imediatas poderiam continuar a manifestar opiniões, contra
ou a favor do governo, mas, sem voto nas câmaras e assembleias e legislativas
para negociar apoios ilegítimos.
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