sexta-feira, 12 de abril de 2013

Veríssimo e as religiões


Em sua crônica do último domingo, a que deu o título de Maluquices, o escritor Luís Fernando Veríssimo trata como igualmente execráveis os mistérios de todas as religiões. Ao contrário, penso que em tudo há mistérios e maluquices e o que cada religião deixa no plano do mistério não pode ser desligado do que apresenta de forma menos misteriosa e mais compreensível. Assim, não me parece justo nem condenar todas as religiões por incluírem mistérios, nem, muito menos, considerar todas iguais por isso.
A crônica vem a propósito da condenação da eleição do deputado Pastor Feliciano para presidente da comissão de direitos humanos da câmara dos deputados do Brasil. A posição do cronista é que apoiaria as manifestações contrárias a essa eleição se fossem orientadas, não contra o deputado e suas opiniões, mas, contra todas as religiões. Em certo ponto, esclarece que não são seu tema os mistérios do processo legislativo, mas, apenas os mistérios da fé.
A mim me parece que as posições expostas pelo cronista não se distinguem em nada das dominantes em todo o episódio. Quando as extravagantes opiniões de Feliciano despertam essas ferozes manifestações, é o fanatismo ateu que explica a ira desses ataques. Do mesmo modo, o desprezo pelas peculiaridades do processo legislativo reflete a complacência da elite intelectual com a estupidez, a hipocrisia e a violência que dominam a Política hoje. Articula-se essa elite, neste momento, em torno da causa homoafetiva, como, em outros momentos recentes, em defesa de complicadas teses racistas, mas nunca em defesa efetiva dos direitos dos pobres.
Dias atrás, o excelente cronista, tinha sido menos abrangente. Limitara seu ataque às religiões monoteístas. Fiquei matutando se não seria alguma predileção pelo nosso candomblé, com suas belas danças e cantos, que o levara a poupar os politeísmos. Mas, não é. A crônica em que agora coloca todas as religiões no mesmo saco desanca as igrejas pentecostais exatamente no que elas têm de semelhante ao candomblé.
Eu, humildemente, em ambos os pontos discordo do cronista e, na verdade, do pensamento majoritário que ele muito bem representa. Penso que as religiões não são todas más. E considero da maior prioridade combater a elite política responsável pelo atraso e a injustiça que prevalecem, ao longo dos séculos, em nossa sociedade.
Sou cristão. Quanto aos mistérios, isto significa para mim que são importantes três. O primeiro é a própria fé: afirma que é-nos dada a graça de, contra toda evidência, acreditar na boa nova de que há um único Deus, o Pai, que nos ama como uma mãe cheia de amor por seus filhinhos. O segundo é a esperança: faz-nos esperar, com Cristo, uma felicidade que compensa todo sofrimento, até mesmo o da morte abandonado na cruz. O terceiro é a caridade: garante que, sem saber por que, todo cristão seja capaz de querer  como o Filho o bem de todas as criaturas do Pai.
Estes mistérios, Jesus Cristo os revelou vivendo. As religiões que têm como centro a pessoa de Jesus Cristo têm neles uma diferença transcendental.

quinta-feira, 11 de abril de 2013

Crimes em Van e Ônibus


Os relatos de dois crimes que ocuparam nos últimos dias muitas páginas dos jornais do Rio ilustram bem a necessidade de substituir o princípio de punição adequada ao tipo de crime pelo de tratamento, adequado não ao crime, mas, sim, ao criminoso.
No primeiro dos dois crimes, os autores se revezavam ao volante de uma van enquanto roubavam e estupravam os passageiros. O segundo, igualmente chocante, foi cometido por um estudante de engenharia, que agrediu o motorista de um ônibus em movimento provocando a queda do veículo de um viaduto, mortes e ferimentos em muitas pessoas.
Os dois crimes têm vários elementos em comum. Ambos foram cometidos por jovens de vinte e poucos anos. Jovens educados, no sentido de terem recebido qualificação escolar suficiente, no primeiro caso, para dirigir um veículo e, no segundo, para ingressar em um curso superior. E reincidentes, os primeiros já tendo assaltado passageiros, alguns dos quais apresentaram queixa à Polícia, que ainda não tinha identificado os culpados. Contra o segundo tinham sido registradas queixas de agressão e, embora apontassem devidamente o autor, não tinham dado origem a nenhum processo judicial. Finalmente, a cobertura dada pelos jornalistas aos crimes estendeu-se, em ambos os casos, do clamor por castigo à exigência de maior fiscalização das atividades das empresas de transporte urbano.
Uma vez fui atropelado por um motoqueiro. Quando o sinal abriu, avancei pela faixa de pedestres. Ele vinha a toda velocidade entre os carros e, como anunciava sua aproximação tocando uma buzina estridente, sentia-se dispensado de obedecer ao sinal fechado. A Justiça Vindicativa é um exemplo desse mesmo tipo de desvio da racionalidade. Pretende corrigir um erro com outro.
Quando eu peço que se combata o crime com educação em vez de punição, não estou excluindo a possibilidade de que o crime revele psicopatas que precisam ser afastados do convívio social. Mas, o que fez o nosso sistema com os jovens acima, quando começaram a demonstrar suas tendências antissociais? Absolutamente nada que prevenisse os crimes bárbaros que cometeram a seguir. A Polícia estava muito ocupada na caça aos autores de crimes tipificados como mais graves, como o tráfico de drogas e a formação de empresas para oferta de transporte inseguro, para deter-se em casos de agressão, mesmo que associada a brutalidade e roubo.
Assim concebida, a Polícia – junto com o noticiário policial – constitui uma superestrutura estridente em cima de uma estrutura errada. Uma superestrutura cara que nada corrige. Sua função primeira é desviar a atenção, das causas para os efeitos.
As causas estão na estrutura social e na formação das pessoas. No primeiro caso, o que se pode fazer é simplificar a organização para tornar desnecessária a repressão. Mas, o mais importante são as pessoas. Neste caso, a solução está na educação.
A Educação precisa melhorar, não apenas no sentido de manter as crianças e adolescentes mais tempo na escola. Mas, principalmente no sentido da qualidade, oferecendo, não só, ensino diferenciado em função da capacidade de aprendizagem, mas, também, atendimento diferenciado em função da necessidade de incorporação de valores de respeito humano. Sobre um sistema educacional apropriado, será possível desenvolver um sistema penal baseado em práticas educativas para recuperar os infratores em vez do atual sistema, formador de marginais.

quinta-feira, 4 de abril de 2013

Culpado ou inocente?

O Júri, como instituição democrática, é uma tradição importante. Representa uma proteção do cidadão que dá, ao acusado pelo Estado de um crime grave, o direito de ser julgado pelos seus pares.
Mas, a esperança de absolvição pelo Júri, hoje, precisa ser analisada à luz de dois aspectos principais. Primeiro: pela lei, a decisão de submeter um caso ao Júri depende do tipo de crime e não da vontade do acusado. Segundo: a divulgação dos casos pelos meios de comunicação, de penetração crescente, tende a alcançar os jurados antes das versões da acusação e da defesa. Sabendo que a pressão da Imprensa terá um efeito muito maior que a exposição de provas durante o julgamento, muitos acusados prefeririam abrir mão do Júri, pois teriam maior probabilidade de absolvição em um julgamento técnico, em que o caso fosse analisado com mais objetividade e em maior profundidade.
Responder a quesitos objetivos depois de assistir a exposição de rápida sucessão de argumentos, testemunhos e provas materiais é tarefa difícil para o cidadão comum. O pior é que a sociedade não espera dos jurados tal avaliação objetiva do tipo de crime e se foi cometido ou não pelo réu. Espera é uma avaliação subjetiva da sua maldade. Hoje em dia, o resultado desta avaliação subjetiva é, via de regra, imposto pela Imprensa ao jurado antes que este tenha acesso aos dados processuais.
Nessas condições, a exigência constitucional de submissão ao Júri desvia-se de sua finalidade e torna-se um fator injustificado de atraso nas decisões. E quais são os efeitos desse atraso? Primeiro: multidão de acusados permanece em regime de prisão preventiva durante anos e anos aguardando a convocação do Júri. Segundo: acusados que podem contratar certos escritórios de advocacia aguardam o julgamento em liberdade por prazos ainda maiores.
Uma solução: fazer preceder o Júri de uma avaliação preliminar. Nesta, um juiz, entendendo suficientes as provas contra o acusado, com o apoio de uma equipe de especialistas com formação em Sociologia e Psicologia e considerando as circunstâncias em que ocorreu o crime, determinará a imediata submissão do acusado a tratamento psiquiátrico e medidas educativas que o possam ajudar a participar do convívio social sem risco para a coletividade. Caso ele venha a ser julgado inocente mais tarde pelo Júri, esse encaminhamento inicial não terá trazido nenhuma consequência negativa para o réu. E, se for julgado culpado, a antecipação terá trazido benefício a todos.
Os homicídios que merecem maior divulgação da Imprensa são crimes passionais. O advogado que atirou da janela a própria filha... A enfermeira que esquartejou o marido rico...  Admito que esses casos exigiriam muita competência dos especialistas. A grande maioria dos casos que ocorrem hoje no Brasil, situa-se, entretanto, em dois tipos: o dos policiais que matam no exercício de suas funções e o dos traficantes e agiotas que mandam matar seus concorrentes e devedores. São casos em que para a reinserção social ser bem sucedida deveria ser baseada em medidas visando a afastar os autores diretos dos crimes de todo acesso a armas e os autores indiretos dos recursos financeiros necessários para voltar a essas atividades.
Cabe aqui chamar a atenção para outra contribuição do mau uso dos meios de comunicação para o nosso problema. O combate a esses crimes é menos questão de educação dos seus autores que da sociedade toda. São estimulados por uma cultura que exacerba a demanda pelo consumo.

quinta-feira, 28 de março de 2013

Condenações e Castigos


Crimes e condenações são sempre notícia. Ao divulgá-los, frequentemente a Imprensa exige castigos severos com penas que sirvam de exemplo para desestimular a repetição dos crimes pelo mesmo autor ou por qualquer outro. Desdenha das chamadas medidas sócio-educativas ou penas alternativas voltadas para a reinserção dos infratores no convívio social.
Esse desdém se explica porque a cultura dominante na sociedade em que esses infratores estariam sendo adequadamente inseridos é ela mesma que os conduz ao comportamento antissocial. De fato, pouco se pode esperar de tais medidas em uma sociedade que ensina com muito mais vigor a buscar a satisfação dos próprios impulsos se disso não resultar custo para si mesmo, e, portanto, desrespeitar a lei sempre que disto não resulte constrangimento.
No mesmo contexto se podem entender as pressões da Imprensa para a redução da maioridade penal. Não se podem atribuir os desvios de conduta à imaturidade se não se espera do amadurecimento a aquisição de melhores valores. Este raciocínio não leva em conta, entretanto, que, no caso dos adolescentes, seria ainda razoável esperar que, com a idade, o maior domínio de si mesmos os pudesse ajudar a superar influências nocivas.
Por outro lado, prisões sempre superlotadas, apesar da impunidade dos poderosos, em especial das autoridades do sistema policial e penal, demonstram concretamente que o castigo como educação indireta, como prevenção negativa, também não funciona. E os motivos pelos quais não funciona são da mesma natureza. A ineficiência do sistema penal baseado no castigo exemplar decorre, em grande parte, de sua dependência de um sistema policial e processual caro e sujeito a erros, não só na direção de não alcançar os criminosos, mas, principalmente, na de condenar inocentes.
A corrupção desses sistemas substitui o valor de cumprir a lei que a ameaça de punição deveria sustentar pelo de esquivar-se dos agentes da lei. Além disso, os fins não justificam os meios: por mais odiosos que sejam os crimes que se almeja coibir, a coação pela ameaça da prisão injusta é imoral.
Salvo no caso dos psicopatas que precisam ser afastados do convívio social para não reincidirem nos crimes que praticam, a pena de reclusão é equivalente aos castigos físicos e à pena de morte, já banidos em nosso país. E, em uma cultura em que o poder cabe ao mais forte, ao mais esperto, ao mais inescrupuloso, raramente é aplicada aos criminosos das classes altas.
As únicas penas retributivas que deveriam ser aplicadas são as de confisco de bens. Em lugar das penas hoje aplicadas, serviriam, não como exemplo, mas, sim, para evitar a reincidência em comportamentos pelos próprios autores que se prevalecem de sua posse para delinquir. Fora desses dois casos, a reclusão de psicopatas e o confisco visando à eliminação das condições materiais para a reincidência, somente educação especial deveria ser imposta aos infratores do Direito Penal.
Essa educação especial funcionará se inserida em uma educação de toda a sociedade para o respeito ao próximo. Só a educação voltada diretamente para a construção de valores humanos pode substituir a lei da selva pela da cooperação. Há outra forma de se deixar de conviver com juízes que vendem sentenças, policiais que extorquem dos suspeitos, políticos com “Caixa 2” e “flanelinhas” que furtam dos veículos?


quinta-feira, 21 de março de 2013

Justiça e Amor

Na função de presidente do Superior Tribunal de Justiça, o ministro Joaquim Barbosa, ao condenar um juiz acusado de favorecer certos advogados em alguns processos, verberou as "decisões graciosas, condescendentes, fora das regras, de muitos juízes, em conluios com advogados".
Parece-me um pronunciamento natural e oportuno. Mas, como ocorre cada vez que uma autoridade condena a corrupção na Justiça no Brasil, a reação foi imediata. Argumenta-se, nesses momentos, imediatamente, que os casos registrados são exceções e que o acusador produz generalizações indevidas movido apenas pelo desejo de aparecer na Imprensa. É uma resposta inteligente, embora não me convença.
Desta vez, entretanto, a manifestação do ministro suscitou, de profissionais da Justiça, respostas mais reveladoras. Deslocaram essas respostas a discussão do tema das decisões viciadas pela aproximação entre juízes e advogados para o das relações de amizade entre pessoas em distintas posições de poder. E aí não se limitaram a realçar a legitimidade das relações fraternas entre juízes e advogados, que ninguém pode inferir das declarações de Joaquim Barbosa que não deveriam existir.
Ao contrário, investiram representantes dos juízes federais e dos advogados do Brasil contra o direito da pessoa humana de ter amigos em qualquer lugar. Segundo o publicado nOGlobo, o presidente da Associação dos Juízes Federais manifestou-se nestes termos: “A Imprensa divulgou que o ministro tem uma namorada advogada. Como é que fica isso?” Relata a mesma fonte pronunciamento na mesma direção, agora do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, de que até amantes precisam ser punidas em casos de relações promíscuas entre juízes e advogados.
Pretendem com isso dizer que não há diferença entre o acusador e os acusados. Só que relações de amizade ou amor entre pessoas das duas classes não constituem promiscuidade!  O que não pode haver são decisões injustas motivadas pelo desejo de agradar os mais próximos. E principalmente pelo interesse financeiro, quando, como nos casos frequentemente divulgados pela imprensa, os advogados amigos são, na verdade, portadores de suborno pago aos juízes.
Não se pode impedir que marido e mulher se encontrem nas posições de juiz e advogado, professora e aluno, fiscal e empresário. O absurdo é confundir a existência dessas relações com as de favorecimento iníquo. Isto põe em destaque o princípio que rege a ocupação das funções públicas em nosso país, de que a amizade é que deve prevalecer e não a inteligência, o coração e não a cabeça, o interesse e não a justiça... 
Para as nossas elites, o juiz não pode ter namorada advogada porque, nesse caso, terá de se deixar influenciar por ela nas suas decisões. Quando o chefe de um poder da República defende o princípio contrário,  dizem que apenas quer aparecer.  Não admitem os poderosos no nosso país que quem quer que seja manifeste a aspiração de que as decisões das autoridades se orientem, não pelos seus afetos e interesses, mas pelo que é certo e o que é errado.
Para combater essa cultura, os instrumentos de proteção automática contra o favorecimento ainda precisam ser muito aperfeiçoados. É preciso esforço par ampliar o âmbito das seleções por concursos público. O sistema de distribuição aleatória para o julgamento de ações na Justiça deve ser estendido. E, tanto quanto possível, a aproximação entre juiz e advogados ao longo deve processo deve ser limitada às audiências públicas. Não há que buscar ver em tal limitação ofensa a ninguém, mas, sim, proteção para todos.

quinta-feira, 14 de março de 2013

Pastores e Políticos


A Câmara dos Deputados tem, na sua atual composição, 511 deputados. Representam trinta partidos, dos quais 23 têm pelo menos um deputado eleito. Nos nomes desses partidos, em nove (dos quais sete com representação na Câmara) há as palavras Social, Socialista ou Socialismo, oito se declaram trabalhistas ou dos trabalhadores e oito fazem referência à democracia.
A proliferação dos partidos é benvinda se os partidos são criados para representar pontos de vista divergentes em busca de apoio popular. Mas, os partidos não têm sido criados para propor ideias. Apenas para lançar candidatos a cargos públicos. As eleições têm tido o papel, não de determinar estratégias de governo, mas, de escolher quais pessoas constituem a elite dirigente do país. Salvo alguns partidos identificáveis pela sua história, ainda que as posições de todos ao longo do tempo variem muito, pode-se esperar de qualquer partido o apoio a qualquer proposição. Do mesmo modo, ninguém estranha nenhuma transferência de nenhum político de um partido para outro.
Assim, a vida pública no Brasil é regida pelo princípio de que os políticos não representam partidos e muito menos eleitores, representam-se a si mesmos. Mas, como precisam atrair votos dos cidadãos, associam-se às legendas partidárias que consideram mais atrativas, seja pelas suas ligações com o governo, seja por não abrigarem concorrentes em sua área de influência. Uma vez eleitos para o Congresso Nacional, para demonstrar o seu valor e justificar o apoio a sua candidatura nas futuras eleições, além de manifestar opiniões que possam colocá-los sob uma luz favorável de imprensa, os deputados procuram destacar-se pela apresentação de projetos de lei.
Com isto, é enorme o volume de projetos submetidos em cada legislatura.  Acrescentando-se às novas iniciativas as correções que se revelam urgentes a leis absurdas aprovadas no passado, é fácil de imaginar a complexidade do processo legislativo. Para transformar os projetos em leis, além da loteria do voto dos 511 no Plenário, há uma via através da aprovação por uma legião de comissões. O número de comissões permanentes é atualmente 21. O Presidente da Câmara, assim como o presidente de cada comissão, têm, então, o importantíssimo papel de escolher quais projetos são levados a decisão cada dia e dirigir a discussão e votação daqueles projetos submetidos aos deputados.
São bem escolhidos esses presidentes? A escolha em 2013 do Presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias é ilustrativa. Na democracia, esta deveria ser a comissão de maior importância. Trata, em princípio, de zelar pelo respeito às cláusulas pétreas da Constituição do país que impedem os detentores do poder de impor sua vontade arbitrariamente. Na prática, infelizmente, tornou-se importante pelo poder de aprovar vantagens para grupos supostamente discriminados.
Para presidi-la, o partido com maior representação na comissão indicou um pastor do Evangelho da Prosperidade. Esta corrente religiosa, com crescente representação na política, baseia-se em uma interpretação no sentido contrário do ensinamento cristão: é dando que recebemos. Baseiam na interpretação mercantilista dessa frase um negócio em que entram com o nome de Deus. Nesse negócio, o fiel paga o dízimo à igreja para comprar a proteção divina. Quanto mais der, garantem que mais ganhará. Terá lucro certo ao dar ao pastor, de lambuja, o voto, que não lhe custa nada. Aqui há, de fato, um círculo vicioso: quanto menor valor o brasileiro dá ao voto, pior escolhe e, quanto pior escolhe, menos valor tem razão de dar a seu próximo voto.
Assim, foi eleito para presidir comissão de tal responsabilidade um estranho pastor que aparece em vídeo, disponibilizado na internet por alguém que presenciou sua atuação, exclamando: “Samuel de Souza doou o cartão, mas não doou a senha! Aí não vale! Depois vai pedir o milagre pra Deus e Deus não vai dar, e vai falar que Deus é ruim!”... E, mais adiante, a frase que resume a plataforma política de toda uma liderança: “Tem gente que diz: ‘pastor, pastor! 1.000 reais eu não aguento!’ Traga 500 reais! Você só não pode é perder a benção. Quem crê dá um jeito...”

quinta-feira, 7 de março de 2013

Menos crimes!


Tipificar como crime a venda de algumas espécies de drogas e a oferta de algumas modalidades de jogos resulta na realização dessas atividades de forma escondida. Para protegê-las, as pessoas que decidem explorá-las recorrem a polícias privadas. Isso aumenta o volume de crimes violentos, seja em confrontos entre polícias seja na punição a usuários inadimplentes.
A taxa anual de mortes violentas no Brasil se mantém, por décadas, acima de 250 mortes por milhão de habitantes, superior à dos países em guerra. Na faixa etária entre 15 e 24 anos, essa taxa dobra.  A morte violenta é para esses jovens mais comum que por qualquer outra causa.
Ao mesmo tempo, a população carcerária mais que dobrou nos últimos dez anos, atingindo mais de 500 mil presos. Desses, os diretamente condenados pelo tráfico de drogas são hoje mais de 100 mil. Eram 30 por cento disso em 2005.
Outro dado espantoso é que, do total de presos, mais da terça parte está na cadeia sem ter sido condenada. O instituto da prisão provisória é aplicado para manter em prisões superlotadas suspeitos considerados perigosos. A tendência a aumentar a duração das penas em resposta aos escândalos provocados pelos crimes de ex-presidiários, educados para o crime por esse sistema, gera um círculo vicioso de gravidade crescente.
A segurança pública seria melhor administrada se a lei admitisse o tráfico de drogas hoje proibidas e submetesse essa  atividades às proibições e exigências aplicadas ao tráfico de bebidas alcoólicas.  Do mesmo modo, jogar não deveria provocar mais repressão que fumar, com a plena divulgação dos riscos envolvidos, o pagamento de impostos e taxas e o cumprimento de obrigações acessórias, como a manutenção de registros de todas as operações.

Essa simplificação do Direito Penal não tiraria emprego dos policiais. Antes liberaria a polícia para o combate aos crimes de tipificação mais clara. O mesmo vale para os empregados penitenciárias: com a redução do número de presos, o trabalho de educação e socialização dos presos poderia ganhar o espaço que lhe deveria caber. Em troca de menos crime e mais justiça...