Em Our Inner Conflicts (1945), Karen Horney descreve o que para ela, àquela altura, na
sociedade americana, seriam os três tipos principais de personalidade
neurótica. Esses tipos seriam caracterizados por autoimagens por meio das quais
a pessoa tenta dissolver o conflito que a atormenta desde a infância. Este
conflito seria entre as motivações compulsivas para ser duro e ser sedutor,
isto é para depender de si mesmo ou depender de um protetor. Assim, surgiriam
dois tipos básicos da personalidade neurótica: o agressivo e o submisso, que
eliminam respectivamente a pressão interna para ser bonzinho e para ser feroz.
O terceiro tipo seria o isolado, cuja solução é se afastar do convívio social. Essa
classificação tornou-se clássica, a ponto de, décadas depois, ser usada para orientar estratégias de marketing aceitas até hoje.
Em Neurosis and Human Growth (1950), entretanto, ela aprofunda sua análise. A maior importância é
transferida do conflito entre as soluções compulsivas para a ansiedade básica da
criança que, encurralada pelo mundo hostil, substitui o seu eu real por um eu
idealizado. Destaca, então, como básico um outro conflito, entre o eu
idealizado e o eu real. Ao esforço por sustentar o orgulho no eu idealizado
está automaticamente associada a depreciação do eu real.
Para entender os três tipos nessa visão mais ampla, me parece interessante destacar um quarto tipo, o seguidor, que lida com as duas compulsões de se sentir
forte e protegido, de forma oposta à do tipo isolado. Este quarto tipo, em vez de refugiar-se em
sua torre de marfim, refugia-se na multidão. Para evitar decidir, está sempre
ocupado em imitar. Ausente em Our Inner Conflicts, este quarto tipo surge em uns poucos
parágrafos de Neurosis and Human Growth, mas, abrange, hoje, o grande número de pessoas que entregam à moda a direção de suas vidas.
Além disso, usando o fenômeno da externalização para distinguir outros tipos que ela trata como
variantes dos tipos básicos, eu enxergo os
oito tipos da tabela abaixo. O que distingue os quatro novos grupos é que, não
sendo capazes de suportar internamente o conflito, transferem para o exterior a
origem da crítica ao eu real. Com isso, deixam de contar para a sua segurança
com a ilusão de satisfazer os padrões socialmente aprovados e, em vez de
voltar-se compulsivamente para essa aprovação, tratam a carência de bom
relacionamento social como mais um motivo de autodesprezo.
Tipo\conta com
|
consigo mesmo
|
alguém próximo
|
a sociedade
|
Seguidor
|
Sim
|
Sim
|
Sim
|
Narcisista
|
Sim
|
Sim
|
Não
|
Agressivo
|
Sim
|
Não
|
Sim
|
Vingativo
|
Sim
|
Não
|
Não
|
Submisso
|
Não
|
Sim
|
Sim
|
Acusador
|
Não
|
Sim
|
Não
|
Isolado
|
Não
|
Não
|
Sim
|
Rebelde
|
Não
|
Não
|
Não
|
O mais útil na análise de Karen
Horney é que, ao situar a origem da neurose em situações de ansiedade infantil,
em vez de no desvio de impulsos instintivos, ela permite enfrentá-la pela gradual desconstrução do conflito interno, em um processo de libertação do
eu real do jugo das fantasias do eu idealizado. O subtítulo do último
livro é: A Luta em Direção à
Auto-realização.
No final de Neurosis and Human Growth, ela
desenvolve uma metáfora em que a criação do eu idealizado é comparada à
tentação diabólica de Adão e Eva, ou à de Cristo, e aos pactos com o diabo em
que, em clássicos da literatura, a pessoa troca sua alma pela ilusão de um
poder absoluto. A reconstrução do eu real é aí vista como o resgate de si
mesmo.
Lendo Karen Horney, para mim fica claro
que o egocentrismo, termo que ela usa apenas ao discutir a dificuldade de
estabelecer relações reais, é o inimigo a ser encarado. Só que combater o egocentrismo, ou, mais objetivamente, esvaziar o
orgulho e fazer a realidade prevalecer é o que Cristo nos oferece. Para o
cristão, a realidade mais importante é que no centro do seu Universo está um
Deus que é Pai. Se eu deixo de ser o centro e me volto para servir ao Pai de Jesus Cristo, encontro o meu eu real. Os sofrimentos do passado e a tentação para iludir-me com o eu idealizado permanecerão ativos, mas poderei enfrentar as minhas limitações como Cristo enfrentou a sua cruz, se me alimentar da realidade como folha da videira da verdade, como mão de obra do amor.
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