Foi notícia, há pouco tempo, que um dos
gerentes da Lei Seca no Rio de Janeiro, dirigindo embriagado, atropelou um
grupo de pessoas, matando uma delas. A imprensa também divulga
frequentemente casos de policiais que sequestram suspeitos, cobrando pagamentos
para libertá-los. Tem a ver. Atuar em uma Operação Lei Seca, obrigando a parar
e tratando como criminoso o cidadão que nada mais faz que trafegar em seu carro,
é treinar para sequestrador. Multar e prender quem não fez mal a ninguém é
desenvolver um desrespeito pela pessoa humana que há de um dia acabar em um
comportamento como o daquele gerente.
Este é um custo evidente, mas não
contabilizado do excesso de leis repressivas: criar uma super-casta de agentes
da repressão. A autoridade que lhes é outorgada é um custo incomparavelmente
maior que o benefício de coibir os abusos que se deseja reprimir. A
proliferação de leis que, para combater comportamentos de alguns, submetem
todos os cidadãos ao arbítrio, significa a extensão da atribuição da autoridade
do Estado a pessoas cada vez menos qualificadas.
Leis só devem ser votadas depois
de se verificar se seus benefícios superem os seus custos. Os benefícios de
diferentes punições associadas ao uso do bafômetro em diferentes países e
diferentes épocas podem ser avaliados precisamente. E comparados aos de melhorar o traçado, a
sinalização e a manutenção das estradas. Já os elevados custos para a sociedade
de dar poderes excessivos à polícia são ainda melhor conhecidos. Assim, para
aprovar uma nova Lei Seca ampliando esses custos alguma demonstração de sua
utilidade deveria ser apresentada.
Ao contrário, o Senado Federal
aprovou no dia 18/12/2012, sem discussão, em menos de dois minutos, e a
Presidente da República sancionou apenas dois dias depois, nova lei que permite
substituir a prova do bafômetro por avaliação subjetiva da embriaguez. Com base
nessa avaliação, o motorista é sujeito a pena de prisão, além de pagamento de
multa cujo valor foi dobrado, passando para cerca de dois mil reais.
O efeito da nova lei, segundo as
estatísticas, comparando-se as festas de fim de ano com as do ano passado, foi o
esperado: o número de multas e prisões mais que dobrou. E o número de mortes
nas estradas? Simplesmente, aumentou, de 353 para 392.
Não há dúvida de que a aprovação
de leis rigorosas tem um efeito educativo e que merece reprovação dirigir sob o
efeito de bebida alcoólica. Mas é muito mais forte o efeito deseducativo
implícito na atribuição a cada vez mais agentes do poder para punir por novos
crimes, enquanto crimes de extorsão e agressão praticados por autoridades
públicas permanecem impunes. Contribui para o caos moral que fundamenta os
desvios de percepção do certo e do errado que conduzem a esses comportamentos.
A Operação Lei Seca, uma
violência contra o direito de ir e vir, aborda sua vítimas no meio da noite.
Ébrios pelo prazer de se mostrarem superiores, seus agentes criam armadilhas
para induzir sua vítima a cometer novas infrações. Escorre prazer de suas
palavras como das fauces do leão que segura a presa. Impressionou-me o tratamento
que presenciei de um comerciante que, embora sóbrio, era ameaçado de ter o
veículo apreendido. Atrasara a vistoria por não ter dinheiro para pagar multas
por estacionamento irregular do veículo usado em entregas. Alegava que, com o
veículo apreendido, perdia seu único recurso de sobrevivência. O agente
retrucava que os pneus também não estavam em bom estado.
Ainda não fui multado pela Lei
Seca. E corro cada vez menos risco, não só por não ingerir os fatídicos miligramas
de álcool, mas também porque estou evitando sair de casa para não ser pego
pelos radares de velocidade. Mas, já tive parentes e amigos vitimados por ela.
E não vem ao caso. Tapar os olhos para não enxergar não desculpa conviver com
essa ignomínia. A culpa pela injustiça da lei não é só de quem a propõe e de
quem a aprova no Congresso. É também da Imprensa que a trata como mais uma das novidades
simples e fáceis de entender de que está sempre em busca. É também de quem
gosta dela porque vê nela apenas uma forma de incomodar a minoria que anda de
carro. E é também de quem se submete a ela por se julgar fraco demais para
combatê-la.
Caro Annibal. Parabéns pelo blog e por nos fazer pensar num assunto tão importante.
ResponderExcluirConcordo que há abusos por parte de maus policiais. Porém, somos campeões mundiais de mortes por acidentes de trânsito, cerca de 50 mil por ano, muitas associadas à ingestão de álcool. Para mim, o papel da sociedade é exigir 5 coisas: educar o povo; melhorar as condições técnicas das vias; aumentar a fiscalização; acabar com a impunibilicade e aumentar as penalidades.
Abraços
Alberto