Minha médica não demonstrou a gratidão devida quando foi
parada pela Operação Lei Seca à meia-noite. Voltava da academia de ginástica e
pouco lhe importava o que a sociedade está lucrando com a nova prática de deter
os bêbados. Só queria ir para casa dormir.
Vendo o seu mau humor, os policiais, imagina-se a que custo
desviados da função de enfrentar facínoras armados para a de assustar moças
suspeitas de embriaguez, cercaram-na, filmaram-na e ameaçaram-na, até que um
deles lhe comunicou que o lacre da placa do seu carro estava quebrado e, como é
proibido trafegar com lacre quebrado, o veículo seria rebocado para o depósito público.
De nada acuso os agentes da lei. Cortar o lacre dos carros é
uma pratica de vandalismo que se está espalhando pelo país. Quem sobe no ringue
deve estar preparado para sofrer algum golpe baixo. Quero, apenas, chamar a
atenção para as contradições do sistema.
Algum representante da maioria que acha que essa pimenta não
atinge os seus olhos porque não transita de carro à noite pelas ruas da cidade vai
reclamar quando chegar no posto de saúde e for informado de que a doutora não
foi trabalhar porque ficou sem o carro. Melhor para ele do que para o que terá
sido assaltado porque a polícia, ocupada demais nas blitzen contra os
motoristas, deixou livres os ladrões.
Da minha parte, evito sair à rua. Só que, agora, uma nova
lei me obriga a receber dentro de casa inspetores da construção. Vou abrir a
porta ao técnico em construção com o mesmo respeito que dedico aos guardas de
trânsito. Mas, penso que coletivamente poderíamos nos organizar para enfrentar
o vandalismo oficial.
Para não extrapolar os limites da correção política, proponho apenas uma campanha educativa. Formaríamos equipes de educadores
que enviaríamos a oferecer diariamente aos agentes da Lei Seca o louvor que
eles merecem. Para lhes mostrar quanto apreciamos que eduquem os jovens que não
aprenderam em casa e na escola o risco de dirigir embriagado, lhes
ofereceríamos cursos gratuitos permanentes de abordagem aos que são vítimas de
desvios de personalidade mais graves. A campanha seria estendida depois a sub-prefeitos
cata-lixo, candidatos a deputado sem princípios e assim por diante.
Há um problema. De onde viriam os recursos para isso? Com a
descriminalização da produção e tráfico de drogas e a taxação dessas atividades,
o governo arrecadaria recursos que poderia destinar à educação dos policiais. Mas,
enquanto isso não acontece, há uma solução coerente com a lógica dominante:
deslocar mais dos parcos recursos destinados à educação pública ao financiamento
da elevação da polícia.
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