Um político, que na sua identificação usa o título de
Secretário de Esporte e Lazer do Município do Rio de Janeiro, manifesta nO Globo
do último dia 20 opinião sobre a reforma política. Seu artigo consiste em
defesa do voto distrital e da Lei da Ficha Limpa. A Lei da Ficha Limpa,
inquestionável para muitos, só é comparável à Lei Seca. Enquanto esta
estabelece pena de prisão para o descumprimento de uma norma sem fundamento
lógico, qual seja a proibição de ingerir 5mg de álcool – ou, pela modificação
mais recente, parecer ter ingerido, aquela estabelece uma segunda pena para o
condenado, tenha este cumprido sua primeira pena ou não. E esta pena adicionada
atinge não apenas o cidadão castigado, mas todos os cidadãos que o desejem ter
como representante em cargo eletivo. Assim, atinge, no coração, a democracia!
O voto distrital é
outro atentado contra a necessária evolução dos nossos hábitos políticos em direção
a trazer os políticos da representação de pessoas e interesses para a
representação de ideias e valores. É defendido, via de regra, por políticos
que, contando com elevado volume de recursos financeiros, estão certos de favorecer
sua eleição concentrando o uso do poder econômico na manutenção da fidelidade
de um curral eleitoral.
Filosoficamente, em uma república federativa, cada Estado
deve fazer-se representar nas decisões da União por pessoas que nele habitem.
Fora isso, as barreiras regionais se constituem em uma forma de obstar que
conflitos entre interesses locais se resolvam racionalmente. Salvo aquele desejo
de alguns políticos de facilitar a própria eleição, nada justifica a sua
inserção no nosso sistema eleitoral.
O que é terrível notar é a forma como esses dois pontos são
discutidos no referido artigo de opinião. Nenhum defeito - e nem mesmo nenhuma
qualidade - da Ficha Limpa é mencionado. Ao voto distrital é atribuído o mérito
de aproximar eleitos e eleitores, mas, não se explica como ou em que sentido. O
artigo é desenvolvido na forma de um alerta contra a ameaça que a estrutura da
comissão criada para propor a reforma eleitoral estaria significando.
Esse estilo de argumentação é a grande ameaça à tramitação
da reforma política no Congresso Nacional. Em vez do aperfeiçoamento do regime,
corremos o risco de ver políticos, movidos pelo objetivo de ‘”puxar brasa para
a sua sardinha”, com a formação de maiorias eventuais no parlamento, insinuar
mais retrocesso no nosso ordenamento jurídico.
Por isso, é boa a ideia do plebiscito.
Minha sugestão é que a reforma se desenvolva em níveis
sucessivos. Em uma primeira etapa, toda proposta para a qual não se consiga
obter consenso à luz do objetivo maior de fortalecer a democracia teria de ser
incluída em um de dois modelos. A Comissão procuraria assegurar o máximo
possível de coerência interna a esses modelos. Assim formados, os dois seriam
finalmente submetidos a confronto no plebiscito.
É claro que, no plebiscito, não há razão para esperar que o
melhor modelo seja aprovado. Mas, se não for completamente inviável, o
envolvimento dos eleitores na aprovação das suas peculiaridades poderá ajudar a
que venha a dar certo. O importante é que a perspectiva da inclusão em um
modelo amplo a ser submetido ao eleitorado reduzirá o fôlego das iniciativas
casuísticas.