A Lei da Ficha Limpa é um retrocesso. Sempre achei mais
razoável tornar inelegível quem seja reprovado em uma prova de Matemática que
quem tenha sido condenado à prisão. Independentemente dos motivos da
condenação, a prática de condutas antissociais pode ser até uma credencial
legítima para o candidato a representar a insatisfação com os poderes do
Estado.
Mas, a Lei da Ficha Limpa foi aprovada por unanimidade
porque teve apoio de mais de um milhão de assinaturas. Agora, muitos milhões serão
impedidos de votar em um candidato, cassado pela Lei da Ficha Limpa. Percebe-se,
afinal, que não é um direito dos representantes que essa lei viola, é um
direito dos representados.
A República, como modelada
na Idade Moderna, é a forma mais democrática de governo. A duração limitada dos
mandatos protege contra a tirania. A limitação da participação popular à
eleição de representantes protege contra a anarquia. O plebiscito é, desde
então, a maior ameaça. Porque combina a dificuldade de formar uma maioria de eleitores
esclarecidos com a possibilidade de delegar poderes abusivos. A lei da Ficha
Limpa é um exemplo de imposição plebiscitária.
Na democracia plebiscitária, uma maioria eventual pode, não
só espoliar minorias, como, também, instalar a tirania. Na democracia
representativa em que vivemos, só há eleição majoritária para os cargos máximos
do Executivo, com a possibilidade de reeleição limitada. Quanto mais limitada
for essa possibilidade, melhor.
A democracia vive na corda bamba. O que se tem, na História,
é um equilíbrio instável. A reação aos abusos no poder conduz à anarquia, que é
o caminho de volta para uma tirania mais poderosa. Mas, enquanto isso, cresce
lentamente a noção de que o cumprimento das limitações constitucionais dos governantes
não visa só a proteger as liberdades individuais, mas, antes de tudo, a evitar
os graves prejuízos ao interesse coletivo que autoridades absolutas sempre
acabam por produzir.
O processo eleitoral é viciado pela demagogia e a corrupção
da Imprensa facilita as reeleições. Para
se fortalecer, nossa democracia ainda carece de instrumentos efetivos de contenção
dos maus governantes. Nesse contexto, é melhor termos maus candidatos de
oposição do que nenhuma ameaça de mudança. Para que presidentes tenham medo de
ser presos, presos devem poder voltar a ser presidentes.
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