sexta-feira, 11 de março de 2016

Entre mosquitos e camelos

É indiscutível o benefício de se oferecerem fundamentações religiosas para os pais que têm de lidar com filhos anencéfalos ou microcéfalos. Mas, daí a defender leis que ameacem os que adotem as condutas que contrariem os princípios que se julga que devem prevalecer vai uma grande distância. Eles enfrentam realidades complexas e agradecem se não as complicarmos mais com nossas leis e outras intervenções abusivas.
Em nosso país, diariamente morrem pessoas atingidas pela fome e por balas perdidas. Outros são vítimas de latrocínios. Outros morrem em guerras de facções criminosas. Outros, em rebeliões nos presídios. Enquanto discutimos castigos para quem pratica o aborto ou para quem não desentope as calhas, somos todos autores desses crimes de morte.
E, mesmo fora dos presídios, somos todos castigados por cometê-los. Castigados com a insegurança que cresce a cada dia. E castigados pela consciência do nosso farisaísmo.
As nossas leis penais são elaboradas com as técnicas mais refinadas. Ao avaliar as condutas criminosas, nosso sistema jurídico manda considerar circunstâncias agravantes e atenuantes. Limitações para prisões temporárias, preventivas e coercitivas são rigorosamente definidas. As penas de privação da liberdade tem sua duração reduzida ao máximo e são substituídas por penas mais leves. O fato é, entretanto, que as prisões estão cada vez mais cheias. E, para sobreviver aos terríveis sofrimentos que elas impõem, forçam cada vez mais pessoas submetidas ao encarceramento a abrir mão da sua humanidade. São fábricas de bandidos.
Os nossos líderes políticos e os nossos grandes empreiteiros começaram a ser presos. Urge acomodá-los em prisões em que possam ser reeducados. Para isso, é preciso livrar as penitenciárias da presença da multidão levada a participar de atividades como o tráfico de drogas e a exploração do jogo por falta de alternativas.
A descriminalização de condutas condenáveis, mas, que, num ambiente repressivo, só fazem crescer, é, antes de tudo, uma forma de combater os maiores crimes, que são os que praticamos contra os nossos presos desarmados. Usemos professores para combater os mosquitos e polícia apenas para os camelos.