quinta-feira, 28 de março de 2013

Condenações e Castigos


Crimes e condenações são sempre notícia. Ao divulgá-los, frequentemente a Imprensa exige castigos severos com penas que sirvam de exemplo para desestimular a repetição dos crimes pelo mesmo autor ou por qualquer outro. Desdenha das chamadas medidas sócio-educativas ou penas alternativas voltadas para a reinserção dos infratores no convívio social.
Esse desdém se explica porque a cultura dominante na sociedade em que esses infratores estariam sendo adequadamente inseridos é ela mesma que os conduz ao comportamento antissocial. De fato, pouco se pode esperar de tais medidas em uma sociedade que ensina com muito mais vigor a buscar a satisfação dos próprios impulsos se disso não resultar custo para si mesmo, e, portanto, desrespeitar a lei sempre que disto não resulte constrangimento.
No mesmo contexto se podem entender as pressões da Imprensa para a redução da maioridade penal. Não se podem atribuir os desvios de conduta à imaturidade se não se espera do amadurecimento a aquisição de melhores valores. Este raciocínio não leva em conta, entretanto, que, no caso dos adolescentes, seria ainda razoável esperar que, com a idade, o maior domínio de si mesmos os pudesse ajudar a superar influências nocivas.
Por outro lado, prisões sempre superlotadas, apesar da impunidade dos poderosos, em especial das autoridades do sistema policial e penal, demonstram concretamente que o castigo como educação indireta, como prevenção negativa, também não funciona. E os motivos pelos quais não funciona são da mesma natureza. A ineficiência do sistema penal baseado no castigo exemplar decorre, em grande parte, de sua dependência de um sistema policial e processual caro e sujeito a erros, não só na direção de não alcançar os criminosos, mas, principalmente, na de condenar inocentes.
A corrupção desses sistemas substitui o valor de cumprir a lei que a ameaça de punição deveria sustentar pelo de esquivar-se dos agentes da lei. Além disso, os fins não justificam os meios: por mais odiosos que sejam os crimes que se almeja coibir, a coação pela ameaça da prisão injusta é imoral.
Salvo no caso dos psicopatas que precisam ser afastados do convívio social para não reincidirem nos crimes que praticam, a pena de reclusão é equivalente aos castigos físicos e à pena de morte, já banidos em nosso país. E, em uma cultura em que o poder cabe ao mais forte, ao mais esperto, ao mais inescrupuloso, raramente é aplicada aos criminosos das classes altas.
As únicas penas retributivas que deveriam ser aplicadas são as de confisco de bens. Em lugar das penas hoje aplicadas, serviriam, não como exemplo, mas, sim, para evitar a reincidência em comportamentos pelos próprios autores que se prevalecem de sua posse para delinquir. Fora desses dois casos, a reclusão de psicopatas e o confisco visando à eliminação das condições materiais para a reincidência, somente educação especial deveria ser imposta aos infratores do Direito Penal.
Essa educação especial funcionará se inserida em uma educação de toda a sociedade para o respeito ao próximo. Só a educação voltada diretamente para a construção de valores humanos pode substituir a lei da selva pela da cooperação. Há outra forma de se deixar de conviver com juízes que vendem sentenças, policiais que extorquem dos suspeitos, políticos com “Caixa 2” e “flanelinhas” que furtam dos veículos?


quinta-feira, 21 de março de 2013

Justiça e Amor

Na função de presidente do Superior Tribunal de Justiça, o ministro Joaquim Barbosa, ao condenar um juiz acusado de favorecer certos advogados em alguns processos, verberou as "decisões graciosas, condescendentes, fora das regras, de muitos juízes, em conluios com advogados".
Parece-me um pronunciamento natural e oportuno. Mas, como ocorre cada vez que uma autoridade condena a corrupção na Justiça no Brasil, a reação foi imediata. Argumenta-se, nesses momentos, imediatamente, que os casos registrados são exceções e que o acusador produz generalizações indevidas movido apenas pelo desejo de aparecer na Imprensa. É uma resposta inteligente, embora não me convença.
Desta vez, entretanto, a manifestação do ministro suscitou, de profissionais da Justiça, respostas mais reveladoras. Deslocaram essas respostas a discussão do tema das decisões viciadas pela aproximação entre juízes e advogados para o das relações de amizade entre pessoas em distintas posições de poder. E aí não se limitaram a realçar a legitimidade das relações fraternas entre juízes e advogados, que ninguém pode inferir das declarações de Joaquim Barbosa que não deveriam existir.
Ao contrário, investiram representantes dos juízes federais e dos advogados do Brasil contra o direito da pessoa humana de ter amigos em qualquer lugar. Segundo o publicado nOGlobo, o presidente da Associação dos Juízes Federais manifestou-se nestes termos: “A Imprensa divulgou que o ministro tem uma namorada advogada. Como é que fica isso?” Relata a mesma fonte pronunciamento na mesma direção, agora do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, de que até amantes precisam ser punidas em casos de relações promíscuas entre juízes e advogados.
Pretendem com isso dizer que não há diferença entre o acusador e os acusados. Só que relações de amizade ou amor entre pessoas das duas classes não constituem promiscuidade!  O que não pode haver são decisões injustas motivadas pelo desejo de agradar os mais próximos. E principalmente pelo interesse financeiro, quando, como nos casos frequentemente divulgados pela imprensa, os advogados amigos são, na verdade, portadores de suborno pago aos juízes.
Não se pode impedir que marido e mulher se encontrem nas posições de juiz e advogado, professora e aluno, fiscal e empresário. O absurdo é confundir a existência dessas relações com as de favorecimento iníquo. Isto põe em destaque o princípio que rege a ocupação das funções públicas em nosso país, de que a amizade é que deve prevalecer e não a inteligência, o coração e não a cabeça, o interesse e não a justiça... 
Para as nossas elites, o juiz não pode ter namorada advogada porque, nesse caso, terá de se deixar influenciar por ela nas suas decisões. Quando o chefe de um poder da República defende o princípio contrário,  dizem que apenas quer aparecer.  Não admitem os poderosos no nosso país que quem quer que seja manifeste a aspiração de que as decisões das autoridades se orientem, não pelos seus afetos e interesses, mas pelo que é certo e o que é errado.
Para combater essa cultura, os instrumentos de proteção automática contra o favorecimento ainda precisam ser muito aperfeiçoados. É preciso esforço par ampliar o âmbito das seleções por concursos público. O sistema de distribuição aleatória para o julgamento de ações na Justiça deve ser estendido. E, tanto quanto possível, a aproximação entre juiz e advogados ao longo deve processo deve ser limitada às audiências públicas. Não há que buscar ver em tal limitação ofensa a ninguém, mas, sim, proteção para todos.

quinta-feira, 14 de março de 2013

Pastores e Políticos


A Câmara dos Deputados tem, na sua atual composição, 511 deputados. Representam trinta partidos, dos quais 23 têm pelo menos um deputado eleito. Nos nomes desses partidos, em nove (dos quais sete com representação na Câmara) há as palavras Social, Socialista ou Socialismo, oito se declaram trabalhistas ou dos trabalhadores e oito fazem referência à democracia.
A proliferação dos partidos é benvinda se os partidos são criados para representar pontos de vista divergentes em busca de apoio popular. Mas, os partidos não têm sido criados para propor ideias. Apenas para lançar candidatos a cargos públicos. As eleições têm tido o papel, não de determinar estratégias de governo, mas, de escolher quais pessoas constituem a elite dirigente do país. Salvo alguns partidos identificáveis pela sua história, ainda que as posições de todos ao longo do tempo variem muito, pode-se esperar de qualquer partido o apoio a qualquer proposição. Do mesmo modo, ninguém estranha nenhuma transferência de nenhum político de um partido para outro.
Assim, a vida pública no Brasil é regida pelo princípio de que os políticos não representam partidos e muito menos eleitores, representam-se a si mesmos. Mas, como precisam atrair votos dos cidadãos, associam-se às legendas partidárias que consideram mais atrativas, seja pelas suas ligações com o governo, seja por não abrigarem concorrentes em sua área de influência. Uma vez eleitos para o Congresso Nacional, para demonstrar o seu valor e justificar o apoio a sua candidatura nas futuras eleições, além de manifestar opiniões que possam colocá-los sob uma luz favorável de imprensa, os deputados procuram destacar-se pela apresentação de projetos de lei.
Com isto, é enorme o volume de projetos submetidos em cada legislatura.  Acrescentando-se às novas iniciativas as correções que se revelam urgentes a leis absurdas aprovadas no passado, é fácil de imaginar a complexidade do processo legislativo. Para transformar os projetos em leis, além da loteria do voto dos 511 no Plenário, há uma via através da aprovação por uma legião de comissões. O número de comissões permanentes é atualmente 21. O Presidente da Câmara, assim como o presidente de cada comissão, têm, então, o importantíssimo papel de escolher quais projetos são levados a decisão cada dia e dirigir a discussão e votação daqueles projetos submetidos aos deputados.
São bem escolhidos esses presidentes? A escolha em 2013 do Presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias é ilustrativa. Na democracia, esta deveria ser a comissão de maior importância. Trata, em princípio, de zelar pelo respeito às cláusulas pétreas da Constituição do país que impedem os detentores do poder de impor sua vontade arbitrariamente. Na prática, infelizmente, tornou-se importante pelo poder de aprovar vantagens para grupos supostamente discriminados.
Para presidi-la, o partido com maior representação na comissão indicou um pastor do Evangelho da Prosperidade. Esta corrente religiosa, com crescente representação na política, baseia-se em uma interpretação no sentido contrário do ensinamento cristão: é dando que recebemos. Baseiam na interpretação mercantilista dessa frase um negócio em que entram com o nome de Deus. Nesse negócio, o fiel paga o dízimo à igreja para comprar a proteção divina. Quanto mais der, garantem que mais ganhará. Terá lucro certo ao dar ao pastor, de lambuja, o voto, que não lhe custa nada. Aqui há, de fato, um círculo vicioso: quanto menor valor o brasileiro dá ao voto, pior escolhe e, quanto pior escolhe, menos valor tem razão de dar a seu próximo voto.
Assim, foi eleito para presidir comissão de tal responsabilidade um estranho pastor que aparece em vídeo, disponibilizado na internet por alguém que presenciou sua atuação, exclamando: “Samuel de Souza doou o cartão, mas não doou a senha! Aí não vale! Depois vai pedir o milagre pra Deus e Deus não vai dar, e vai falar que Deus é ruim!”... E, mais adiante, a frase que resume a plataforma política de toda uma liderança: “Tem gente que diz: ‘pastor, pastor! 1.000 reais eu não aguento!’ Traga 500 reais! Você só não pode é perder a benção. Quem crê dá um jeito...”

quinta-feira, 7 de março de 2013

Menos crimes!


Tipificar como crime a venda de algumas espécies de drogas e a oferta de algumas modalidades de jogos resulta na realização dessas atividades de forma escondida. Para protegê-las, as pessoas que decidem explorá-las recorrem a polícias privadas. Isso aumenta o volume de crimes violentos, seja em confrontos entre polícias seja na punição a usuários inadimplentes.
A taxa anual de mortes violentas no Brasil se mantém, por décadas, acima de 250 mortes por milhão de habitantes, superior à dos países em guerra. Na faixa etária entre 15 e 24 anos, essa taxa dobra.  A morte violenta é para esses jovens mais comum que por qualquer outra causa.
Ao mesmo tempo, a população carcerária mais que dobrou nos últimos dez anos, atingindo mais de 500 mil presos. Desses, os diretamente condenados pelo tráfico de drogas são hoje mais de 100 mil. Eram 30 por cento disso em 2005.
Outro dado espantoso é que, do total de presos, mais da terça parte está na cadeia sem ter sido condenada. O instituto da prisão provisória é aplicado para manter em prisões superlotadas suspeitos considerados perigosos. A tendência a aumentar a duração das penas em resposta aos escândalos provocados pelos crimes de ex-presidiários, educados para o crime por esse sistema, gera um círculo vicioso de gravidade crescente.
A segurança pública seria melhor administrada se a lei admitisse o tráfico de drogas hoje proibidas e submetesse essa  atividades às proibições e exigências aplicadas ao tráfico de bebidas alcoólicas.  Do mesmo modo, jogar não deveria provocar mais repressão que fumar, com a plena divulgação dos riscos envolvidos, o pagamento de impostos e taxas e o cumprimento de obrigações acessórias, como a manutenção de registros de todas as operações.

Essa simplificação do Direito Penal não tiraria emprego dos policiais. Antes liberaria a polícia para o combate aos crimes de tipificação mais clara. O mesmo vale para os empregados penitenciárias: com a redução do número de presos, o trabalho de educação e socialização dos presos poderia ganhar o espaço que lhe deveria caber. Em troca de menos crime e mais justiça...